Lições ao assumir um governo

 

O economista e político Cesar Maia, em seu antigo blog, apresentou uma série de recomendações intituladas ‘Lições ao Assumir um Governo,’ que continuam surpreendentemente atuais. O texto original, de sua autoria, foi atualizado por mim à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal e das normas mais recentes. Decidi publicá-lo porque, além de refletir princípios essenciais para uma gestão pública responsável, suas orientações são especialmente relevantes em tempos de ajustes fiscais rigorosos e transições de governo, oferecendo diretrizes práticas para enfrentar desafios orçamentários. Ressalto que, por limitações de acesso ao conteúdo original, não posso fornecer a referência bibliográfica completa, mas registro os devidos créditos ao autor.

1. Gestão Fiscal e Orçamentária

  1. Primeiros passos: Utilize os primeiros meses para realizar um levantamento amplo da situação fiscal e executar uma “lipoaspiração” financeira rigorosa. Esses primeiros 100 dias são  essenciais para definir as bases do governo. Revise contratos, programas e despesas, com foco na eliminação de excessos e na busca por eficiência.
  2. Revisão da gestão fiscal: Estude pessoalmente as apresentações financeiras com base na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, Lei Complementar nº 101/2000). Verifique o quadro de Suficiência/Insuficiência Financeira (art. 42 da LRF), comparando restos a pagar com as disponibilidades. Se houver insuficiência em 31 de dezembro, responsabilize o gestor anterior de acordo com a legislação.
  3. Flexibilidade orçamentária: Entenda os limites do orçamento vigente e verifique o grau de liberdade disponível. Se a gestão anterior “amarrou” o orçamento, proponha mudanças logo na primeira reunião com o Legislativo, seguindo as regras da LRF.
  4. Contingenciamento: Publique um decreto de contingenciamento para travar as despesas do Executivo por 100 dias. Apenas despesas essenciais, como contas de água e luz, devem ser pagas. A liberação dessas despesas deve ser centralizada.
  5. Planejamento estratégico: Elabore um planejamento estratégico para os quatro anos de governo, alinhado ao Plano Plurianual (PPA), conforme definido pela Constituição Federal, art. 165, e ao orçamento anual, com metas claras e indicadores de desempenho.
  6. Gestão de risco fiscal: Institua um sistema de gestão de riscos fiscais, permitindo identificar e mitigar riscos relacionados à dívida pública, arrecadação e gastos de longo prazo, conforme as diretrizes da LRF (art. 4º e 9º).
  7. Controle do fluxo de caixa: A execução orçamentária deve ser responsabilidade da Secretaria da Fazenda, que gerencia o fluxo de caixa, enquanto a Secretaria de Planejamento e Gestão pode elaborar o orçamento.
  8. Análise de despesas: Realize uma série histórica das despesas por natureza nos últimos cinco anos, ajustando pelo IPCA para análise real. Priorize essa análise para entender mudanças significativas e identificar possíveis excessos.
  9. Indicadores de desempenho fiscal: Crie indicadores de desempenho fiscal para monitorar em tempo real as finanças públicas, utilizando ferramentas modernas de business intelligence.
  10. Orçamento participativo: Considere a implementação de práticas de orçamento participativo, que envolvam a população e ajudem a priorizar investimentos em áreas essenciais, em conformidade com a Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade).

2. Gestão da Dívida e Reestruturação Financeira

  1. Endividamento: Faça um levantamento detalhado do endividamento público. Se necessário, proponha uma reestruturação dentro dos limites da Lei Complementar nº 178/2021, que trata do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e estabelece novos parâmetros para a relação Dívida Consolidada Líquida (DCL)/Receita Corrente Líquida (RCL), conforme a LRF.
  2. Previdência: Adeque o sistema previdenciário à legislação federal vigente, especialmente após a Emenda Constitucional nº 103/2019, que reformou a previdência. Garanta que o sistema esteja em conformidade com os limites de equilíbrio fiscal e atuarial.
  3. Gestão previdenciária: Considere reestruturar o sistema previdenciário local, ajustando-o às normas nacionais e promovendo a sustentabilidade de longo prazo, conforme o estabelecido na Lei nº 9.717/1998 (regras gerais para os regimes próprios de previdência social).

3. Governança e Controle Interno

  1. Governança corporativa: Implemente boas práticas de governança corporativa no setor público, baseando-se nos princípios de transparência, responsabilização e avaliação contínua sugeridos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Controladoria-Geral da União (CGU), conforme as diretrizes da Instrução Normativa TCU nº 84/2020.
  2. Controle interno: Fortaleça os mecanismos de controle interno, garantindo que a Controladoria tenha autonomia para monitorar as ações de todas as secretarias. Adote auditorias contínuas para evitar desvios de recursos e garantir a execução correta do orçamento, conforme as diretrizes da LRF, art. 50.
  3. Compliance e integridade: Institua um Programa de Compliance e Integridade, em linha com a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), para identificar e mitigar riscos de corrupção.
  4. Transparência ativa: Mantenha os portais de transparência atualizados com dados abertos sobre receitas, despesas, contratos e licitações, conforme a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011).

4. Auditorias e Revisão de Contratos

  1. Auditorias: Liste as despesas de custeio por natureza e divida as auditorias em áreas-chave: folha de terceirizados, contratos em andamento, licitações feitas nos últimos 18 meses, e revise detalhadamente cada ato. As auditorias devem seguir as normas estabelecidas pela Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021).
  2. Comparações entre governos: Compare os valores pagos pelo governo com outros governos, preferencialmente do mesmo partido, para garantir a confiança nos dados. Na arrecadação, utilize comparações per capita com estados de porte semelhante.
  3. Cancelamento de contratos: Se um contrato estiver com valores acima do mercado, cancele-o por motivos de economicidade e contrate em caráter emergencial, conforme a Lei nº 8.666/1993 e a Lei nº 14.133/2021.

5. Modernização e Inovação na Gestão Pública

  1. Gestão de tecnologia da informação (TI): Invista na modernização dos sistemas de TI, digitalizando processos e adotando sistemas de governo digital, alinhados ao Plano Nacional de Governo Digital do Ministério da Economia, conforme as diretrizes da Lei nº 14.129/2021 (Lei de Governo Digital).
  2. Inovação no setor público: Crie um núcleo de inovação focado na transformação digital, modernizando processos e adotando novas tecnologias para melhorar a eficiência e a transparência. Promova soluções tecnológicas que facilitem a automação de processos e aumentem a eficiência operacional.
  3. Capacitação de gestores: Promova a capacitação contínua dos gestores públicos em áreas como finanças públicas, controle interno e governança, em parceria com escolas de governo como a ENAP (Escola Nacional de Administração Pública), conforme a Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

6. Políticas de Parcerias e Sustentabilidade

  1. Parcerias público-privadas (PPP): Amplie o uso de Parcerias Público-Privadas (PPPs) para impulsionar investimentos em infraestrutura, regulamentadas pela Lei nº 11.079/2004 (Lei das PPPs), sempre com rigor técnico para garantir vantagem ao ente público.
  2. Sustentabilidade e gestão ambiental: Integre princípios de sustentabilidade ambiental nas ações governamentais, em conformidade com a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.187/2009) e a Agenda 2030 da ONU, promovendo o uso responsável de recursos naturais e a eficiência energética.
  3. Equilíbrio intergeracional: Garanta que as políticas fiscais considerem o equilíbrio intergeracional, de modo que as gerações futuras não sejam sobrecarregadas por dívidas insustentáveis, conforme o princípio de responsabilidade fiscal da LRF.

7. Gestão de Pessoal e Nomeações

  1. Nomeações: Seja criterioso ao fazer nomeações para cargos comissionados. Nomeie o mínimo necessário inicialmente, reservando espaço para ajustes na estrutura organizacional ao longo do tempo.
  2. Gestão de recursos humanos: Priorize a gestão de desempenho de servidores, com base em critérios objetivos, e implemente avaliações contínuas de performance.
  3. Folha de pagamento: Implemente um sistema eficaz de gerenciamento da folha de pagamento, tanto para servidores ativos quanto inativos e pensionistas, conforme os princípios de responsabilidade fiscal estabelecidos pela LRF.

8. Relacionamento com a Imprensa e a Sociedade

  1. Controle de expectativas: Evite criar novas expectativas no início de mandato. Concentre-se na execução, e deixe a imprensa fazer seu trabalho. Priorize a comunicação estratégica com a sociedade, em conformidade com as diretrizes da Lei nº 12.232/2010 (contratações de publicidade).
  2. Cuidado com a imprensa: Seja cauteloso ao divulgar agendas para a imprensa. A lógica da imprensa é fiscalizar o governo, e críticas são parte desse processo.
  3. Contato com a população: Realize contatos com a população de forma discreta e sem holofotes para obter uma percepção direta e qualitativa das demandas sociais.

Essas sugestões integram as principais legislações vigentes, promovendo uma gestão pública moderna, eficiente e sustentável. O foco está na conformidade legal, na inovação, na responsabilidade fiscal e na transparência, todos elementos essenciais para o sucesso de um novo governo.


 

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