Lições ao assumir um governo




O economista e político Cesar Maia, em seu antigo blog, elaborou uma série de recomendações intituladas “Lições ao Assumir um Governo”, cujos princípios permanecem surpreendentemente atuais. Atualizei o texto original à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal e da legislação mais recente, mantendo sua essência prática e orientadora.

Decidi publicá-lo por refletir princípios fundamentais para uma gestão pública responsável, com especial relevância em períodos de ajustes fiscais rigorosos e transições governamentais. Suas diretrizes práticas fornecem suporte direto para enfrentar os desafios orçamentários típicos dessas situações. Ressalto que, devido a limitações de acesso ao conteúdo original, não posso fornecer a referência bibliográfica completa, mas registro os devidos créditos ao autor.


1. Planejamento Fiscal e Gestão Orçamentária

  • Os primeiros 100 dias

Realizar ações nos primeiros 100 dias de governo focadas na revisão das receitas, na otimização de despesas e na modernização dos processos administrativos, visando ao equilíbrio fiscal e à melhoria da qualidade dos serviços públicos oferecidos à população. A estratégia deve incluir a implementação de políticas de controle de gastos com pessoal, modernização da arrecadação e promoção de investimentos estratégicos com alto impacto social.

  • Fortalecimento da arrecadação

Implementar um programa de recuperação fiscal, com destaque para a modernização da cobrança de IPTU e ISS, utilizando informatização e melhoria nos processos de fiscalização tributária. O plano deve incluir o aperfeiçoamento das ferramentas de gestão tributária, facilitando o pagamento pelos contribuintes e aumentando a eficiência na arrecadação.

  • Insuficiência Financeira

Analisar as demonstrações financeiras com base na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, Lei Complementar nº 101/2000).

Examinar o quadro de Suficiência/Insuficiência Financeira (art. 42 da LRF), comparando restos a pagar com as disponibilidades. Caso seja identificada insuficiência em 31 de dezembro, responsabilizar o gestor anterior conforme a legislação vigente.

  • Séries históricas de gastos públicos

Levantar uma série histórica das despesas por natureza nos últimos cinco anos, ajustando os valores pelo IPCA para análise real. Priorizar essa análise para entender mudanças significativas e identificar possíveis excessos.

  • Flexibilidade orçamentária

Entender os limites do orçamento vigente e verificar o grau de liberdade disponível. Se a gestão anterior “amarrou” o orçamento, propor mudanças logo na primeira reunião com o Legislativo, seguindo as regras da LRF.

  • Contingenciamento

Elaborar um Decreto de Contingenciamento para o Poder Executivo, baseado em uma Programação Financeira e no Cronograma de Execução de Desembolsos, ajustando saldos orçamentários e financeiros às receitas disponíveis.

  • Junta de Coordenação Orçamentária

Fortalecer a Junta de Execução Orçamentária, centralizando a liberação de despesas e garantindo que a execução orçamentária esteja alinhada ao fluxo de caixa e às metas fiscais.

  • Definição de cotas de custeio

Estabelecer cotas de custeio para as secretarias ou órgãos, priorizando despesas indispensáveis, como energia, água e contratos de serviços básicos.

  • Compras

Centralizar todas as compras e contratações, promovendo maior controle e transparência nos processos de aquisição. Suspender ou revisar todas as compras em andamento e futuras, garantindo que estejam alinhadas às prioridades governamentais e sigam critérios rigorosos de economicidade.

  • Contratos

Suspender todos os processos de desapropriação que não estejam vinculados a obras prioritárias, promovendo o uso criterioso de recursos públicos. Suspender ou revisar todos os contratos de prestação de serviços, consultorias e publicidade que não estejam alinhados ao plano de governo. Revisar contratos de locação de imóveis, veículos e equipamentos, buscando a repactuação dos valores ou, se necessário, o cancelamento.

  • Planejamento estratégico

Desenvolver um planejamento estratégico para os quatro anos de governo, alinhado ao Plano Plurianual (PPA), conforme disposto no art. 165 da Constituição Federal, e ao orçamento anual, com metas claras e indicadores de desempenho.

  • Revisão de contratos e licitações

Revisar todos os contratos de terceirização, locação e as licitações dos últimos 12 meses, identificando possíveis excessos ou ineficiências. Reduzir despesas com contratos que não sejam prioritários para o governo.

  • Investimentos prioritários

Definir metas de investimento com recursos próprios, priorizando projetos de baixo custo e alto impacto social, como a melhoria de infraestrutura urbana, saneamento básico e transporte público local.

  • Gestão de risco fiscal

Instituir um sistema de gestão de riscos fiscais para identificar e mitigar riscos relacionados à dívida pública, arrecadação e gastos de longo prazo, conforme as diretrizes da LRF (art. 4º e 9º).

  • Indicadores de desempenho fiscal

Criar indicadores de desempenho fiscal para monitorar em tempo real as finanças públicas, utilizando ferramentas modernas de business intelligence.


2. Engenharias Financeiras

  • Revisão da planilha do fluxo de caixa

Realizar um diagnóstico completo do fluxo de caixa, distinguindo entre recursos livres e vinculados, para identificar déficits e promover a liquidez financeira. A execução orçamentária deve ser responsabilidade da Secretaria da Fazenda, enquanto a Secretaria de Planejamento pode elaborar o orçamento.

A execução orçamentária deve ser responsabilidade da Secretaria da Fazenda, enquanto a Secretaria de Planejamento pode elaborar o orçamento.

  • Planejamento de financiamento do déficit

Definir, em até 100 dias, estratégias de financiamento de eventuais déficits de caixa de curto e médio prazos, com foco na sustentabilidade das finanças até o final do exercício fiscal.

  • Atualização do Decreto do Caixa Único

Atualizar e modernizar o Decreto do Caixa Único, promovendo maior controle e eficiência na gestão dos recursos financeiros. Incorporar melhores práticas para evitar a fragmentação de recursos e, se aplicável, adotar o enfoque orçamentário na gestão de caixa.

  • Autarquias e fundações dependentes do Tesouro

Revisar a legislação e o papel das autarquias e fundações, adequando-as às necessidades atuais da Administração Direta, especialmente aquelas dependentes de recursos orçamentários.


3. Gestão da Dívida e Previdência

  • Endividamento

Fazer um levantamento detalhado do endividamento público. Se necessário, propor uma reestruturação dentro dos limites da Lei Complementar nº 178/2021, que trata do Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Estabelecer novos parâmetros para a relação Dívida Consolidada Líquida (DCL) e Receita Corrente Líquida (RCL), conforme a LRF.

  • Previdência

Ajustar o sistema previdenciário à legislação federal vigente, especialmente após a Emenda Constitucional nº 103/2019, que reformou a previdência. Garantir que o sistema esteja em conformidade com os limites de equilíbrio fiscal e atuarial.

  • Gestão previdenciária

Reestruturar o sistema previdenciário local, ajustando-o às normas nacionais e promovendo a sustentabilidade de longo prazo, conforme o estabelecido na Lei nº 9.717/1998, que define regras gerais para os regimes próprios de previdência social.


4. Governança e Controle Interno

  • Governança corporativa

Implementar boas práticas de governança corporativa no setor público, baseando-se nos princípios de transparência, responsabilização e avaliação contínua sugeridos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Controladoria-Geral da União (CGU), conforme as diretrizes da Instrução Normativa TCU nº 84/2020.

  • Controle interno

Fortalecer os mecanismos de controle interno, garantindo que a Controladoria tenha autonomia para monitorar as ações de todas as secretarias. Adotar auditorias contínuas para evitar desvios de recursos e assegurar a execução correta do orçamento, conforme as diretrizes da LRF, art. 50.

  • Compliance e integridade

Instituir um Programa de Compliance e Integridade, em linha com a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), para identificar e mitigar riscos de corrupção.

  • Transparência ativa

Manter os portais de transparência atualizados com dados abertos sobre receitas, despesas, contratos e licitações, conforme a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011).


5. Auditorias

  • Auditorias

Listar as despesas de custeio por natureza e dividir as auditorias em áreas-chave: folha de terceirizados, contratos em andamento, licitações feitas nos últimos 18 meses, e revisar detalhadamente cada ato. As auditorias devem seguir as normas estabelecidas pela Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021).

  • Comparações entre governos

Comparar os valores pagos pelo governo com outros governos para garantir a confiança nos dados. Na arrecadação, utilizar comparações com unidades federativas de porte semelhante.

  • Cancelamento de contratos

Cancelar contratos que estiverem com valores acima do mercado por motivos de economicidade e, se necessário, realizar contratações em caráter emergencial, conforme a Lei nº 8.666/1993 e a Lei nº 14.133/2021.


6. Modernização e Inovação na Gestão Pública

  • Gestão de Tecnologia da Informação (TI)

Investir na modernização dos sistemas de TI, digitalizando processos e adotando sistemas de governo digital alinhados ao Plano Nacional de Governo Digital do Ministério da Economia, conforme as diretrizes da Lei nº 14.129/2021 (Lei de Governo Digital).

  • Inovação no setor público

Criar um núcleo de inovação focado na transformação digital, modernizando processos e adotando novas tecnologias para melhorar a eficiência e a transparência. Promover soluções tecnológicas que facilitem a automação de processos e aumentem a eficiência operacional.

  • Capacitação de gestores

Promover a capacitação contínua dos gestores públicos em áreas como finanças públicas, controle interno e governança, em parceria com escolas de governo como a ENAP (Escola Nacional de Administração Pública), conforme a Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

  • Contratos de Gestão

Definir metas claras de ajuste fiscal para os Contratos de Gestão celebrados entre o Poder Executivo e as autarquias, fundações e empresas (se houver), com o objetivo de garantir o cumprimento das metas orçamentárias.


7. Políticas de Parcerias e Sustentabilidade

  • Parcerias público-privadas (PPP)

Revisar os estudos de viabilidade econômica para PPPs voltadas aos projetos prioritários, como mobilidade urbana, saneamento e gestão de resíduos sólidos, assegurando que os projetos gerem benefícios para a população e sejam financeiramente sustentáveis.

  • Sustentabilidade e gestão ambiental

Integrar princípios de sustentabilidade ambiental nas ações governamentais, em conformidade com a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.187/2009) e a Agenda 2030 da ONU, promovendo o uso responsável de recursos naturais e a eficiência energética.

  • Equilíbrio intergeracional

Garantir que as políticas fiscais considerem o equilíbrio intergeracional, de modo que as gerações futuras não sejam sobrecarregadas por dívidas insustentáveis, conforme o princípio de responsabilidade fiscal da LRF.


8. Gestão de Pessoal e Nomeações

  • Reforma Administrativa

Realizar uma Reforma Administrativa que otimize as estruturas, reduzindo o número de secretarias e cargos comissionados, com vistas a aumentar a eficiência da gestão pública e gerar economia de recursos. A reforma deve estar alinhada com as melhores práticas de gestão, conforme orientações da LRF.

  • Lei de Responsabilidade Fiscal para Pessoal

Elaborar uma legislação específica, nos moldes da LRF, que trate da gestão de pessoal, limitando os gastos com a folha de pagamento a um patamar sustentável para a Administração Direta.

  • Reforma Previdenciária

Criar um Grupo para a Reforma da Previdência, com o objetivo de propor alterações na legislação previdenciária local, buscando a sustentabilidade do sistema sem aumentar as alíquotas.

  • Corte de cargos comissionados

Reduzir em XX% os cargos comissionados, priorizando uma gestão baseada em critérios técnicos e meritocráticos, com vistas à eficiência administrativa e redução de despesas.

  • Suspensão de novos benefícios (se for o caso)

Suspender, por 100 dias, a concessão de novos benefícios como horas extras, gratificações e reenquadramentos que possam gerar impacto na folha de pagamento. Implementar ações no âmbito dos recursos humanos que reduzam as despesas com pessoal, como a revisão dos critérios de concessão de vale-transporte, vale-alimentação, insalubridade, entre outros.

  • Submissão ao Comitê de Política Salarial

Submeter ao Comitê de Política Salarial qualquer concessão de vantagem ou aumento de gastos com pessoal antes da conclusão dos dissídios das categorias das autarquias e fundações, garantindo que esses ajustes estejam alinhados à política fiscal em curso.

  • Revisão de quadros de carreira

Revisar, ao longo do primeiro ano de governo, os quadros de carreira da Administração Direta, fundações e autarquias, promovendo uma padronização que evite disparidades entre os órgãos.

  • Nomeações

Ser criterioso ao fazer nomeações para cargos comissionados. Nomear o mínimo necessário inicialmente, reservando espaço para ajustes na estrutura organizacional ao longo do tempo, conforme a Lei nº 8.112/1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União).

  • Gestão de recursos humanos

Priorizar a gestão de desempenho de servidores, com base em critérios objetivos, e implementar avaliações contínuas de performance, de acordo com o Decreto nº 9.739/2019, que estabelece normas para a gestão de cargos comissionados.

  • Folha de pagamento

Implementar um sistema eficaz de gerenciamento da folha de pagamento, tanto para servidores ativos quanto inativos e pensionistas, conforme os princípios de responsabilidade fiscal estabelecidos pela LRF.


9. Relacionamento com a Imprensa e a Sociedade

  • Controle de expectativas

Evitar criar novas expectativas no início de mandato. Concentre-se na execução e deixe a imprensa fazer seu trabalho. Priorize a comunicação estratégica com a sociedade, em conformidade com as diretrizes da Lei nº 12.232/2010 (contratações de publicidade).

  • Cuidado com a imprensa

Ser cauteloso ao divulgar agendas para a imprensa. A lógica da imprensa é fiscalizar o governo, e críticas fazem parte desse processo.

  • Contato com a população

Ajustar os prazos para atendimento das demandas aprovadas na Consulta Popular, garantindo a compatibilidade entre a execução orçamentária e as restrições fiscais existentes.

Atribuir limites orçamentários claros para as decisões resultantes da Consulta Popular, assegurando que as promessas sejam exequíveis dentro do orçamento aprovado.

Realizar contatos com a população de forma discreta e sem holofotes, para obter uma percepção direta e qualitativa das demandas sociais.

 

Essas sugestões integram as principais legislações vigentes, promovendo uma gestão pública moderna, eficiente e sustentável. O foco está na conformidade legal, na inovação, na responsabilidade fiscal e na transparência, todos elementos essenciais para o sucesso de um novo
governo.



 

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