Entre a narrativa e a realidade: o desafio do déficit do Governo Central

A análise do panorama econômico brasileiro revela uma dualidade de perspectivas entre aquela disseminada pela mídia tradicional e a destacada por algumas instituições de pesquisa. Enquanto os meios de comunicação promovem um quadro otimista para 2024, sugerindo um possível alívio nos preços dos alimentos, uma diminuição do desemprego e projeções de queda na taxa básica de juros, há evidências substanciais indicando uma realidade fiscal bem complicada.

A desaceleração da atividade econômica, notada a partir da segunda metade de 2023 de acordo com o Boletim do FGV/IBRE, ganha contornos mais preocupantes com o recente crescimento do PIB em apenas 0,1% em relação ao trimestre anterior, conforme dados divulgados pelo IBGE no início de dezembro de 2023. A prudência diante do otimismo de alguns pode ser ilustrada no cenário gráfico abaixo, no qual se observa abrandamento no consumo das famílias e queda nos investimentos, apesar da manutenção do impulso das exportações.

No âmbito da política fiscal, o próprio governo assume um déficit primário tanto em 2023 quanto em 2024. As despesas previdenciárias continuam a manter os desequilíbrios históricos, e os gastos sociais seguem uma trajetória ascendente conforme previsto ao final de 2022. O debate em torno da meta de déficit zero para 2024 adquire contornos de complexidade, especialmente quando há divergências entre o Presidente e o Ministro da Fazenda, culminando na recusa do primeiro ao contingenciamento de gastos para 2024.

Uma análise mais aprofundada, respaldada pelo Relatório do Tesouro Nacional de outubro de 2023, revela inconsistências na política fiscal, ressaltando uma dependência marcante do aumento de impostos advindo da Reforma Tributária e do incremento da dívida pública.

Embora o discurso econômico majoritário seja permeado por elementos otimistas, é imperativo atentar para as preocupações inerentes ao desequilíbrio das contas públicas do Governo Central. Essa fragilidade, evidenciada pelo recente relatório, suscita reflexões sobre a sustentabilidade do cenário fiscal, onde o aumento da carga tributária e da dívida pública parece ser a saída recorrente para manter a estabilidade econômica.

De janeiro a outubro de 2023, as contas públicas do Governo Central do Brasil apresentaram um déficit primário de R$ 75,1 bilhões em valores nominais. Houve uma redução real de 3,3% na receita líquida (R$ -55,0 bilhões a menos), enquanto as despesas primárias aumentaram 5,7% (acréscimo de R$ 89,6 bilhões). O déficit previdenciário até outubro quase iguala o total de 2022.

  • Déficit Primário:
    • R$ -75,1 bilhões (valores nominais)
    • R$ -74,6 bilhões (valores constantes out./23)
  • Déficit previdenciário:
    • R$ -270,2 bilhões (valores constantes out./23)
  • Receita Líquida:
    • Redução real de 3,3% em comparação com o mesmo período do ano
      anterior (R$ -55,0 bilhões).
  • Despesas Primárias:
    • Aumento de 5,7% (acréscimo de R$ 89,6 bilhões).

A Tabela, a seguir, demonstra a evolução real dos principais itens de receita e despesa do Governo Central no período 2014-2023.


Resultado primário e déficit do RGPS do Governo Central (valores a
preços out./23 em R$ bilhões)
MesesReceita totalArrec.Liq. RGPSReceita LíquidaDespesa PrimáriaBenefícios PrevidenciáriosPessoal e Encargos sociaisOutras Despesas CorrentesResultado PrimárioDéfict do RGPS
Dec 20142.075,63572,501.738,271.776,91668,82377,56289,94-38,64-96.3
Dec 20151.947,95544,861.628,501.810,08678,21371,19383,76-181,58-133.4
Dec 20161.886,49512,841.561,841.790,58726,94369,24306,72-228,75-214.1
Dec 20171.916,15518,811.599,841.771,74771,51393,38273,27-171,90-252.7
Dec 20181.990,23522,301.647,071.806,47783,09398,15269,88-159,42-260.8
Dec 20192.105,10531,951.733,971.855,54806,56403,14252,04-121,58-274.6
Dec 20201.829,24503,631.500,372.432,46829,51400,81901,07-932,12-325.9
Dec 20212.224,53530,961.817,541.859,21818,76379,31353,30-41,67-287.8
Dec 20222.440,43564,471.958,301.899,05839,83356,26312,1959,24-275.4
Oct 20231.958,25472,211.593,531.668,09742,41283,77243,73-74,55-270.2

Receitas

  1. Não Administradas: Queda expressiva de R$ 83,5 bilhões, destacando-se Concessões e Permissões, Dividendos e Participações, e Exploração de Recursos Naturais.
  2. Administradas: Redução de R$ 21,4 bilhões, destaque para Imposto sobre a Renda e CSLL, parcialmente compensado por Outras Administradas.
  3. Arrecadação Líquida para o RGPS: Aumento de +R$ 24,1 bilhões.
  4. Transferências por Repartição de Receita: Queda de -R$ 25,7 bilhões, destaque para a queda relacionada à Exploração de Recursos Naturais.
  5. Demais Receitas: Aumento de R$ 21,1 bilhões,
    proveniente de recursos não sacados do PIS/PASEP.

Despesas

  1. Despesas Obrigatórias com Controle de Fluxo:
    Aumento de R$ 80,2 bilhões, com maiores gastos em Bolsa Família, Auxílio Brasil e Saúde.
  2. Despesas com Benefícios Previdenciários: Aumento de R$ 32,2 bilhões, influenciado pelo crescimento do número de beneficiários e ajustes salariais.

É relevante ressaltar que o descompasso entre as receitas e as despesas primárias no âmbito do Governo Central apresenta uma tendência de aumento a partir do ano de 2023.

 

 

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