RRF: não era a solução definitiva?

Um ano após a renegociação do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), em junho de 2022, o governo do Rio Grande do Sul projeta que não terá condições de pagar as parcelas mensais da dívida com a União, temendo que o cenário fiscal se torne insustentável em um prazo de 5 a 6 anos. O regime representa a postergação das prestações mensais, com aumento progressivo do saldo devedor nos primeiros 9 anos, comprometendo, no futuro, mais de 10% da receita líquida do estado.

Em junho passado, a secretária estadual da Fazenda, Pricilla Maria Santana, afirmou a necessidade de estender o prazo em mais 6 anos, além dos 9 anos de carência já acordados, além de alterar os critérios de indexação da dívida, atualmente atrelados à inflação (IPCA) e à política monetária (Selic). A dívida contratual saltou de R$ 86 bilhões para R$ 93,6 bilhões entre 2021 e 2022 — uma alta de 8,7%.

Poucos economistas se manifestaram publicamente alertando que a adesão ao regime seria um erro, nas condições contratuais propostas pela União, pois resultaria em um novo ciclo de acumulação de dívida. Estimava-se que a renegociação do passivo estadual custaria R$ 146 bilhões até o final do contrato (a preços constantes), o que representaria um aumento de 188,45% sobre o valor nominal de R$ 77 bilhões.

Agora, os defensores do RRF justificam o fracasso de suas previsões, culpando fatores externos, como questões climáticas e a queda na arrecadação em 2022. Embora essas justificativas tenham validade, elas ignoram o cerne da questão: as regras contratuais impostas pela União são injustas e conduzem a uma acumulação interminável de dívida. Críticas consistentes foram feitas, apontando que a taxa de juros de 4% ao ano era excessiva, que havia uma trajetória de baixa geração de superávits primários nas contas públicas e que o ajuste fiscal propagandeado pelo governo não era sustentável.

Além disso, destacou-se que a incorporação de outras dívidas, internas e externas, garantidas pela União aumentaria o saldo contratual; que a regra de indexação prejudicava o ente devedor em um contexto de alta inflação e elevação da Selic; e que a imposição de um comitê gestor retirava a autonomia fiscal do estado. Com premissas financeiras excessivamente otimistas, os negociadores da dívida acreditaram em uma hipotética geração de superávits primários futuros, justificando que o déficit crônico do Rio Grande do Sul estava equacionado. Apostaram em um crescimento real da receita líquida superior ao das despesas primárias e em uma contínua expansão do PIB estadual.

No entanto, essa suposição se mostrou equivocada, já que as contas estaduais eram caracterizadas pela baixa geração de resultado primário, dependentes de aumentos extraordinários de alíquotas de ICMS, de manobras financeiras e de privatizações. Basta revisar as execuções anuais do fluxo de caixa do Tesouro Estadual ao longo de vários governos para constatar esse cenário.

A secretária da Fazenda agora propõe mais um adiamento na dívida estadual, acreditando que as futuras gerações de gaúchos estarão dispostas a pagar mais impostos para transferir recursos à União, em nome de um contrato praticamente impagável. Por outro lado, ela tem o mérito de demonstrar que o contrato assinado não era exatamente como foi apresentado pelo governador. Também deixou claro que, em matemática financeira, há uma diferença fundamental entre “reestruturação” e “acumulação” de dívidas.

As consequências do RRF, além da perda da autonomia administrativa, serão a pressão contínua por cortes em despesas de custeio e em investimentos, impactando diretamente a qualidade dos serviços públicos, como educação, segurança e saúde. Aqueles que defendem o superávit primário a qualquer custo, para pagar juros elevados, acabam idealizando um orçamento no qual, no limite, restariam apenas três categorias: receitas, serviço da dívida e investimentos.

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