O governador Eduardo Leite se elegeu com um discurso calcado em um diagnóstico financeiro equivocado das finanças estaduais. Foi alertado (i) sobre as dificuldades de gestão do fluxo de caixa; (ii) sobre a necessidade de manutenção das alíquotas do ICMS e (iii) sobre as dificuldades de negociação com a União em torno do Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Com experiência de governo municipal e distante dos números do estado, preferiu seguir suas convicções e a do partido, negando-se a aceitar as contribuições daqueles já conheciam a situação fiscal.
A partir de um cálculo exclusivamente eleitoral, preferiu o caminho da promessa sem base técnica. Errou e terá que pagar um preço político. Talvez mal informado, considerou insuficientes as ações administrativas e fiscais encaminhadas pelo governo Sartori e preferiu, de forma arrogante e articulada, prometer o impossível nas eleições: garantir o fim do parcelamento salarial em um ano e a redução das alíquotas do ICMS.
O plano de governo serviu apenas para afiançar as alianças políticas com os partidos, visando garantir a governabilidade e as votações de reformas estruturais que seriam encaminhadas. Novamente, secundarizou a experiência local, importando técnicos de fora com competências reconhecidas. Contudo, vieram descobrir o que todos já sabiam – menos nosso governador: a completa falta de sustentabilidade fiscal das contas estaduais.
Em quase dois anos, o atual governo teve o mérito de realizar três importantes iniciativas. Primeiro, alterou o plano de carreira do magistério estadual, algo que somente o ex-governador Britto tinha realizado, mas viu sua ação tolhida pelo governo seguinte. Segundo, realizou as reformas de previdência estadual e administrativa, esta última reconhecida em todo país. Cabe lembrar que, premido pela falta de alternativas, suas ações administrativas apareceram logo após o fracasso da venda de ações do Banrisul. Aprovada as reformas estruturais, o governo fez a promessa de uma economia de R$ 25 bilhões em 10 anos. Como terceira iniciativa conseguiu alterar a Constituição Estadual, encaminhando a venda de estatais gaúchas (Sulgás, CRM e CEEE). Resta saber se o estado não terá um enorme prejuízo com os passivos existentes no Grupo CEEE, uma vez que os investidores privados, provavelmente, tentaram repassar parte dessas dívidas para o Tesouro Estadual (autárquicos, por exemplo). Até agora, os detalhes da modelagem da privatização da CEEE-D não tiveram ampla divulgação na imprensa.
Sem um diagnóstico realista das finanças estaduais, conseguiu-se atenuar a crise fiscal gerenciando os fluxos de despesa. Além disso, ensaiou-se um ajuste pelo lado da receita mediante a reforma tributária estadual, que não encontrou apoio no conjunto de nossa sociedade. Com a pretensão de, no mínimo, manter a carga tributária existente, abusou de um discurso centrado no marketing político, o qual não se sustentou diante da análise financeira da proposta.
Sem fazer a crítica pela crítica, entendo necessário dar um novo rumo, pois o RS perde com as premissas equivocadas assumidas pelo atual governador. Existem méritos na condução da política fiscal encaminhada, contudo, as soluções encontradas são de médio e longo prazos e seguiram os ditames da legislação federal. No curto prazo, as finanças estaduais passam a depender do apoio do auxílio financeiro dado pelo governo federal e da recuperação da economia gaúcha. Restam, ainda, os recursos advindos de futuras privatizações ou de alguma engenharia financeira que esteja sendo planejada pela Secretaria da Fazenda.
A proposta orçamentária para 2021 indica um déficit orçamentário de R$ 8,0 bilhões para o exercício, incluindo-se o serviço de dívida de R$ 4,5 bilhões, que, em parte, não será pago. No futuro próximo, o estado perderá parte de suas estatais e será forçado, pelo governo federal, a discutir outro tabu: a venda do Banrisul. É uma questão de tempo!
Todas as medidas fiscais encaminhadas até aqui procuram dar uma solução para outro problema estrutural: o imbróglio da dívida estadual. Desde o governo Sartori, discute-se a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. Com a epidemia, esse assunto ficou eclipsado na agenda dos governadores endividados. Na prática, o RS é inadimplente com parte substancial de sua dívida e não tem orçamento fiscal para pagar o seu serviço.
Portanto, sem precisar recorrer a tabelas, sabe-se que o RS não apresenta os requisitos da sustentabilidade fiscal, isto é, capacidade de gerar resultados futuros ajustados para saldar a dívida atual. Logo, a adesão ao RRF é uma grande pedalada nos problemas fiscais atuais.
Não encontrei documento público, de fácil acesso com assinatura técnica, indicando que o RS atingirá o equilíbrio fiscal duradouro após a adesão ao RRF. O Rio de Janeiro vem enfrentando enormes dificuldades na execução desse regime. Há dois governos não se consegue negociar com o Tribunal de Contas uma mudança da sistemática de cálculo da despesa com pessoal em relação à receita líquida, etapa necessária ao ingresso no regime. Novamente, não se sabe em que situação está a referida negociação com o TCE-RS e os demais Poderes.
Por fim, as soluções fáceis e voluntariosas defendidas pelo governador na eleição não aconteceram. As reformas estruturais foram bem encaminhadas, mas os déficits orçamentário e de caixa continuam elevados, faltando a gestão fiscal se concentrar no que é relevante: equacionar uma solução para o endividamento estadual que não seja o Regime de Recuperação Fiscal, nas atuais bases defendidas pelo governo federal.