A contribuição da secretária e o uso do R

A contribuição da secretária e o uso do R

A aula da secretária

Em pouco mais de seis meses à frente da Secretaria Estadual da Fazenda, a atual secretária sustentou que é necessário revisar o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), buscando alongar seu prazo em mais 6 anos, além dos 9 anos de carência já acordados, bem como alterar os critérios de indexação da dívida. A dívida contratual saltou de R$ 86 bilhões para R$ 93,6 bilhões entre 2021 e 2022 — uma alta de 8,7%.

No ano passado, vários artigos oficialistas e uma forte campanha da mídia paga ajudaram a criar a narrativa de que o déficit crônico do RS estava equacionado e que o RRF seria a melhor coisa que poderia acontecer as finanças estaduais. Inclusive, no segundo turno da eleição para governador, este tema foi objeto de debate acirrado entre os dois candidatos. Neste ano, sobreveio a crise financeira do IPE e a queda vertiginosa da arrecadação de ICMS. Também houve desmentidos quanto à possibilidade de novo parcelamento salarial e foi reafirmada a impossibilidade de conceder reajuste ao funcionalismo em 2023.

Em junho passado, na Comissão de Finanças da Assembleia Legislativa, a secretária deu uma verdadeira aula aos deputados, sendo que muitos ficaram “surpresos” ao descobrir que o ajuste fiscal em andamento é frágil e que há problemas técnicos no acordo do RRF. A atual regra de indexação do contrato é prejudicial aos entes devedores. Daqui a 5 ou 6 anos, o serviço da dívida estrangulará, novamente, as finanças estaduais. Portanto, a secretária tem o grande mérito de ensinar aos gaúchos que o novo regime não era tudo o que foi veiculado pelo governador. Ela também ajudou a relembrar que em matemática financeira existe uma diferença conceitual entre “reestruturação” e “acumulação” de dívidas”.

No debate sobre as finanças estaduais, há uma crença que houve governos esbanjadores no passado, os quais foram responsáveis pelos déficits orçamentários, e que estamos fadados a pagar o contrato da Lei n.º 9496/97 sem questionar sua origem e sua base técnica. Foi preciso vir uma técnica experiente de Brasília para mostrar aos gaúchos que a último acordo precisa ser revisado, sendo necessário reabrir novas rodadas de negociação com o governo federal.

Frente a este novo posicionamento oficial, que ajuda arejar o debate sobre o tema, vamos resgatar um pouco de matemática financeira, utilizando o software R na projeção de contratos de financiamento. A ideia básica é difundir sua utilização, pois estamos diante de uma revolução no uso de informações econômico-financeiras. Saber programar será um requisito básico para a formação de novos economistas.

Repasso aqui alguns scripts aos interessados na aplicação de algoritmos em projeções de dívida. Lembrando que em diversos sítios eletrônicos podem ser encontradas diversas rotinas escritas nessa linguagem. Como exercício teórico, em primeiro lugar, apresenta-se a estimação do Art. 23 da LC n.º 178, de 13/01/2021, e do Art.9-A da LC n.º 159, de 19/05/2017. Obviamente, trata-se de uma simulação teórica que segue as diretrizes básicas dessas leis citadas estimadas em um modelo a preços constantes.

Conforme o Art. 23 da LC n.º 178, a União celebrará um novo contrato com prazo de 360 meses para refinanciar os valores inadimplidos em decorrência de decisões judiciais proferidas em ações ajuizadas pelo ente subnacional. Em junho de 2022, o saldo acumulado alcançava a R$ 17 bilhões, dependendo da data de sua atualização.

Os valores não pagos das parcelas mensais serão agregados aos saldos existentes do Art. 23 da LC n.º 178. Além do citado contrato, o governo estadual jogou o fluxo de pagamento do serviço de outros passivos contratuais (externos e internos) junto ao Banco Mundial, Banco Interamericano e BNDES para dentro desse regime até 2030. Novamente, volta-se a utilizar o expediente de uma conta acumuladora de parcelas não pagas, como ficou conhecida a antiga “conta resíduo”.

No que concerne ao principal do contrato da Lei n.º 9.496/97, no valor de R$ 57 bilhões, haverá a redução extraordinária de prestação, com pagamentos escalonados a cada ano em 11,11% em 2023; 22,22% em 2024; e assim sucessivamente até 88,89% em dezembro de 2030. Os pagamentos passam a ser integrais a partir de janeiro de 2031. Por fim, apresenta-se dois scripts relativos a simulação de um contrato no sistema SAC e, a seguir, no sistema PRICE.

Exemplo 1 - Projeção do principal da Lei n.º 9496/97

PV<-NULL
Juros<-NULL
Amort<-NULL
Prest<-NULL
Saldo<-NULL
PV<-58747.0
i<-4/1200
n<-310
Prest<-c(rep(0,n))
Juros<-c(rep(0,n))
Amort<-c(rep(0,n))
Saldo<-c(rep(0,n))
Prest[1]<-0
Juros[1]<- PV*i
Amort[1]<-0
Saldo[1]<-PV+Juros[1]
for(j in 2:6){
  Prest[j]<- 0
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-0
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] + Juros[j]}
for(j in 7:18){
  Prest[j]<- 0.1111*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 19:29){
  Prest[j]<- 0.2222*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 30:42){
  Prest[j]<- 0.3333*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 43:54){
  Prest[j]<- 0.4444*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 55:66){
  Prest[j]<- 0.5555*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 67:78){
  Prest[j]<- 0.6666*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 79:90){
  Prest[j]<- 0.7777*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 91:102){
  Prest[j]<- 0.8888*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 103:310){
  Prest[j]<- Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
Principal.9496<-tail(cbind(Juros, Amort, Prest, Saldo), n=15L)
round(Principal.9496, digits = 2)

Exemplo 2: Projeção da dívida, Art.23 da LC 178, exclusive outras dívidas incorporadas.

PV<-NULL
Juros<-NULL
Amort<-NULL
Prest<-NULL
Saldo<-NULL
PV<-18330.0
i<-4/1200
n<-360
Prest<-c(rep(0,n))
Juros<-c(rep(0,n))
Amort<-c(rep(0,n))
Saldo<-c(rep(0,n))
Prest[1]<-0
Juros[1]<- PV*i
Amort[1]<-0
Saldo[1]<-PV+Juros[1]
for(j in 2:6){
  Prest[j]<- 0
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-0
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] + Juros[j]}
for(j in 7:18){
  Prest[j]<- 0.1111*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 19:29){
  Prest[j]<- 0.2222*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 30:42){
  Prest[j]<- 0.3333*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 43:54){
  Prest[j]<- 0.4444*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 55:66){
  Prest[j]<- 0.5555*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 67:78){
  Prest[j]<- 0.6666*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 79:90){
  Prest[j]<- 0.7777*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 91:102){
  Prest[j]<- 0.8888*Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
for(j in 103:360){
  Prest[j]<- Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
Art23.9496<-tail(cbind(Juros, Amort, Prest, Saldo), n=15L)
round(Art23.9496, digits = 2)

Exemplo 3: Projeção de um contrato com sistema SAC

library(mondate)
ano.base<-NULL
final<-NULL
n<-NULL
ano.base<-as.mondate("2022-01-01")
final<-as.mondate("2031-12-15")
n<-ceiling(as.numeric(final-ano.base))
c<-1
P<-NULL
Juros<-NULL
Amort<-NULL
Prest<-NULL
Saldo<-NULL
P<-370000.0
i<-(1.08)^(1/12)-1
Juros<-c(rep(0,n))
Amort<-c(rep(P/(n-c),n)) 
Prest<-c(rep(0,n))
Saldo<-c(rep(0,n))
for(j in 1:c){
  Amort[j]<-0
}
Juros[1]<- P*i
Prest[1]<- Juros[1] + Amort[1]
Saldo[1]<-P-Amort[1]
for(t in 2:n){
  Juros[t]<-i*Saldo[t-1]
  Saldo[t]<-Saldo[t-1] - Amort[t]
  Prest[t]<- Juros[t] + Amort[t]
}
Exemplo1<-round(data.frame(Juros, Amort, Prest, Saldo),2)

Exemplo 4: Projeção de um contrato com sistema PRICE

PV<-120000
i<-(1.07)^(1/12)-1
n<-120
Prest<-c(rep(0,n))
Juros<-c(rep(0,n))
Amort<-c(rep(0,n))
Saldo<-c(rep(0,n))
Prest[1]<-PV*((1+i)^n*i/((1+i)^n-1))
Juros[1]<- PV*i
Amort[1]<-Prest[1]-Juros[1]
Saldo[1]<-PV-Amort[1]
for(j in 2:n){
  Prest[j]<- Saldo[j-1]*((1+i)^(n-j+1)*i/((1+i)^(n-j+1)-1))
  Juros[j]<-i*Saldo[j-1]
  Amort[j]<-Prest[j]-Juros[j]
  Saldo[j]<-Saldo[j-1] - Amort[j]}
Exemplo2<-round(cbind(Juros, Amort, Prest, Saldo), digits=2)

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