Restrição orçamentária e o déficit público: elementos teóricos

 

 

 

A leitura de textos teóricos sobre restrição orçamentária intertemporal e déficit público requer um esforço significativo devido ao uso predominante da matemática e, em alguns casos, da econometria. Essas linguagens tornam os textos inacessíveis ao público que não está familiarizado com as convenções acadêmicas e exigem formação intelectual específica e/ou experiência profissional em tesouros, bancos centrais ou organismos multilaterais. Tais experiências elevam a produção deste conhecimento científico.

Vários desses textos apresentam modelos abstratos que seguem convenções determinadas, discorrendo sobre as restrições orçamentárias de famílias e governos, deduzindo os microfundamentos das políticas fiscal e monetária. Eles também abordam as polêmicas recorrentes entre monetaristas e neokeynesianos sobre as escolhas dessas políticas. Lara Resende (2017) questiona até que ponto o grau de abstração de muitos modelos tem conexão com o real entendimento do funcionamento da economia de mercado.

Segundo McCallum e Nelson (2006, p.16-17), os monetaristas acreditam que a inflação é um fenômeno monetário em qualquer circunstância e que a disciplina monetária é necessária e suficiente para estabilizar o nível de preços. Uma política monetária restritiva pode curar a inflação mesmo na presença de déficits fiscais, dependendo de como o governo financia seus gastos. A prescrição monetarista não vincula a dívida pública à trajetória do nível de preços

Se os governos mantiverem o orçamento equilibrado, com tributação ótima, controle de gastos e emissão de títulos condizente com a estabilidade da dívida, o financiamento monetário do déficit público seria evitado.

Com a crise financeira internacional de 2008, os bancos centrais expandiram fortemente a base monetária sem causar aceleração inflacionária. A redução da taxa básica de juros e a injeção monetária preservaram os capitais e os títulos públicos no mercado, substituindo a independência do Banco Central pela cooperação entre Tesouro e autoridade monetária. A terapia monetarista não solucionou a crise financeira (Lopreato, 2018).

Os teóricos keynesianos voltaram ao centro do debate econômico, já revigorados pelo regime de metas de inflação, pela queda histórica dos juros reais (até negativos) e pela flexibilização monetária (quantitative easing) nas principais economias mundiais. A Teoria Fiscal do Nível de Preços (TFLP, em inglês) surgiu como uma outra vertente teórica crítica ao pensamento convencional. A inflação é um fenômeno fiscal (Sims, 1994).

A TFLP observa que a determinação do nível de preços e da inflação é de base fiscal, sendo o papel da política monetária interferir na taxa de juros básica e em toda sua estrutura a termo. A dívida pública tem seu custo reduzido pela taxa de inflação, que ajuda a reduzir o valor real do passivo nominal do governo. A solvência desse passivo é a condição de equilíbrio para o nível de preços (Lara Resende, 2017, p.133)

Cabe aos bancos centrais estabilizar a taxa de juros nominais como resposta à inflação, ao invés de controlar os agregados monetários. Dada a taxa de juros nominal, a inflação atual, com preços rígidos, determina ex post as taxas de juros reais e a expectativa ex ante da taxa de inflação (Borio, 2019, p.3).

Esboçado esse quadro teórico inicial e enfatizando as dificuldades de explorar a complexidade do tema, o presente artigo aborda alguns elementos constitutivos da base teórica que fundamenta a restrição orçamentária intertemporal, centrando-se na exposição dos déficits fiscais e sua conexão com os regimes fiscal e monetário. Neste artigo, utilizo a matemática apenas como instrumento de precisão conceitual, realizando a maioria das passagens passo a passo.

No livro “Dívida Pública e Previdência Social” (2021), escrevi um capítulo didático sobre o tema aqui proposto, enfatizando os conceitos de resultados fiscais, medidos acima e abaixo da linha. Esses conceitos foram relacionados às contas públicas do Governo Central brasileiro.

Uma das preocupações expostas naquele livro era que, no caso brasileiro, a política fiscal sustentada por superávits primários é obtida por meio da redução do investimento público, representando uma barreira ao crescimento econômico. Para cumprir os planos de austeridade, os gestores públicos têm elevado a carga tributária nacional e represado o investimento, usando-o como variável de ajuste para atingir as metas fiscais.

Neste artigo atualizo o capítulo acima citado, buscando novas referências bibliográficas, como as excelentes exposições de Cochrane (2000, 2021), McCallum e Nelson (2006), Walsh (2010, capítulo 4) e Pastore (2015). Isso não implica plena adesão às suas percepções teóricas, até porque apresentam linhas distintas de pensamento.

O Governo Central

A relação entre as políticas fiscal e monetária é dada pela restrição orçamentária do governo. Primeiro, considere que o orçamento representativo da política fiscal do Tesouro é composto por gastos primários, por pagamento de juros nominais e por arrecadação de tributos, bem como pelas respectivas formas de financiamento, incluídas as receitas advindas do Banco Central. Ele está expresso em variáveis nominais e com letras maiúsculas conforme demonstração feita por Walsh (2010):

\[ G_t + i_{t-1} D_{t-1}^T = T_t + (D_t^T - D_{t-1}^T) + Rbc_t \]

onde: \(G_t\) = gastos primários; \(i_{t-1} D_{t-1}^T\) = juros pagos pelo Tesouro sobre a dívida existente; \(T_t\) = arrecadação de tributos; \((D_t^T - D_{t-1}^T)\) = emissões líquidas de dívidas no mercado primário; \(Rbc_t\) = receitas transferidas ao Tesouro pelo Banco Central.

Em segundo lugar, a identidade do balanço patrimonial do Banco Central mostra as modificações do ativo (créditos líquidos obtidos junto ao setor privado) e do passivo (expansão da base monetária). Essa é expressa por:

\[ (D_t^{BC} - D_{t-1}^{BC}) + Rbc_t = i_{t-1} D_{t-1}^{BC} + (M_t - M_{t-1}) \]

onde: \(D_t^{BC} - D_{t-1}^{BC}\) = títulos em carteira do Bacen no open-market; \(i_{t-1} D_{t-1}^{BC}\) = juros pagos pelo Bacen; \(M_t - M_{t-1}\) = variação da base monetária.

Ao se consolidarem os orçamentos do Tesouro e da autoridade monetária são eliminadas as duplas contagens. Considera-se a dívida líquida em poder do público, \(D_t = D^T + D^{BC}\), e os juros em termos líquidos (pagos menos recebidos), eliminando-se as receitas do Banco Central transferidas ao Tesouro, \(Rbc_t\).
Em termos consolidados e dividindo-se as variáveis pelo nível de preços, \(P_t\), a restrição orçamentária do governo pode ser representada conforme as deduções expostas ao longo deste texto. Cabe salientar, no entanto, que o nível de preços não é uma variável neutra, isto é, apenas pré-determinada pela oferta monetária.

A Restrição Orçamentária Intertemporal

A restrição orçamentária intertemporal enfatiza a igualdade que se estabelece entre o déficit público (acima da linha) e suas formas de financiamento (abaixo da linha). Em outras palavras, compara-se a variação dos saldos dos passivos (moeda e dívida) com o resultado fiscal (nominal) ao final no período \(t\).

Seja a variação da base monetária representada por \(\frac{M_t - M_{t-1}}{P_t}\) e a variação da dívida por \(\frac{D_t - D_{t-1}}{P_t}\), ambas ajustadas por um índice de preço em \(P_t\).

A taxa real de juros segue a expressão de Fisher, dada por \(r_{t} = \frac{1 + i_t}{1 + \pi_t} - 1\), em que \(r_t\) é a taxa real de juros ex-post considerada constante no tempo e \(\pi_t\) é a taxa efetiva de inflação. A taxa real de juros expressa também a diferença entre a taxa nominal de juros e a inflação, \(r_t = i_t - \pi_t\).

A restrição orçamentária intertemporal em termos reais é dada por:

\[ (1) \frac{G_t}{P_t} + r_{t} \frac{D_{t-1}}{P_{t-1}} = \frac{T_t}{P_t} + \frac{D_t - D_{t-1}}{P_t} + \frac{M_t - M_{t-1}}{P_t} \]

onde: \(\frac{D_t - D_{t-1}}{P_t} = \Delta D_t / P_t\) igual à variação da dívida; \(\frac{M_t - M_{t-1}}{P_t} = \Delta M_t / P_t\) igual à variação do estoque de moeda (por exemplo, M2); \(T_t = arrecadação tributária\); \(G_t = gastos públicos, exclusive pagamentos de juros sobre a dívida\).

Simplificando-se a identidade acima com letras minúsculas, obtém-se:

\[ (2) g_t + r_{t} d_{t-1} = t_t + (d_t - d_{t-1}) + (m_t - m_{t-1}) \]

A identidade (1) também pode ser reescrita em função da taxa de inflação para os casos da base monetária e da dívida. Note-se que o termo \(\frac{M_{t-1}}{P_t}\) é igual a \(\frac{1}{1 + \pi_t} \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}}\) conforme demonstrado abaixo, valendo igualmente para a dívida líquida.

\[ (3) \frac{G_t}{P_t} + r_{t} \frac{D_{t-1}}{P_{t-1}} = \frac{T_t}{P_t} + \left(\frac{D_t}{P_t} - \frac{1}{1 + \pi_t} \frac{D_{t-1}}{P_{t-1}}\right) + \left(\frac{M_t}{P_t} - \frac{1}{1 + \pi_t} \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}}\right) \]

Ênfase na Dívida Atual

A restrição orçamentária intertemporal pode enfatizar a dívida atual ou o resultado primário. Para o primeiro caso, pode-se reescrever a identidade (2), indicando que o comportamento da dívida atual é uma função do déficit primário, da taxa real de juros incidente sobre o estoque da dívida passada menos a receita de senhoriagem, \(s_t\).

\[ (4) d_t = (g_t - t_t) + (1 + r_{t}) d_{t-1} - (m_t - m_{t-1}) \]

Alternativamente,

\[ (5) d_t = (g_t - t_t - s_t) + (1 + r_{t}) d_{t-1} \]

onde: \(s_t = (m_t - m_{t-1})\).

Ênfase no Déficit Primário

O resultado primário mede a poupança não financeira do governo, sendo expressa por \((g_t - t_t)\), onde \(g_t\) são os gastos públicos, e \(t_t\) a arrecadação tributária. Ao se enfatizar o déficit primário, obtém-se nova expressão para (5). Tal déficit é representado por \((g_t - t_t)\) e pela variação real da base monetária é \(s_t = (m_t - m_{t-1})\). Esta última também é chamada de senhoriagem.

\[ (6) (g_t - t_t) = d_t - (1 + r_{t}) d_{t-1} + (m_t - m_{t-1}) \]

A Relação entre os Passivos do Governo quanto ao Deflacionamento

O passivo real do governo (moeda e dívida) também pode ser medido pela diferença entre os saldos no período ajustados pelos respectivos índices de preços (\(P_t\) e \(P_{t-1}\)). As variações da dívida líquida e da base monetária podem ser representadas pelas seguintes diferenças:

\[ \frac{D_t}{P_t} - \frac{D_{t-1}}{P_{t-1}} \]

\[ \frac{M_t}{P_t} - \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}} \]

A relação que se estabelece entre esses passivos do governo, expostas nos dois termos finais da expressão (1), pode ser assim deduzida como segue. Procede-se a soma e subtração de \(\frac{M_{t-1}}{P_t}\) na expressão acima. Isso também é feito para a dívida líquida, todavia se exemplifica a dedução apenas para o caso da base monetária, já que se pretende mostrar que há uma distinção conceitual entre o aumento real da variável e a sua erosão inflacionária. Tais distinções estão descritas a seguir.

\[ (7) \frac{M_t}{P_t} - \frac{M_{t-1}}{P_t} + \frac{M_{t-1}}{P_t} - \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}} \]

Reescrevendo-se o terceiro termo da expressão acima:

\[ (8) \frac{M_t}{P_t} - \frac{M_{t-1}}{P_t} + \frac{P_{t-1}}{P_t} \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}} - \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}} \]

Reagrupando-se os dois últimos termos da expressão acima em função de \(\frac{M_{t-1}}{P_{t-1}}\), chega-se assim:

\[ (9) \frac{M_t}{P_t} - \frac{M_{t-1}}{P_t} + \left(\frac{P_{t-1}}{P_t} - 1\right)\frac{M_{t-1}}{P_{t-1}} \]

Ora, \(\frac{P_{t-1}}{P_t} - 1 = - \frac{\pi_t}{1 + \pi_t}\) substituindo-se em (9), deduz-se duas expressões bem representativas: a variação real e a erosão inflacionária dos saldos.

O primeiro termo da expressão (9) representa o montante do incremento real da base monetária — vale também para dívida — chamado de senhoriagem monetária. O segundo termo equivale à erosão inflacionária incidente sobre o seu saldo (imposto inflacionário). A base monetária não paga juros e sua expansão real permite ao governo acesso aos bens e serviços. A inflação é um imposto oculto apropriado pelo governo através do “imposto inflacionário”. Assim, chega-se as seguintes expressões:

\[ (10) \frac{M_t - M_{t-1}}{P_t} - \frac{\pi_t}{1 + \pi_t} \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}} \]

Igualmente,

\[ (11) \frac{M_t - M_{t-1}}{P_t} - \pi_t \frac{M_{t-1}}{P_t} \]

Segundo Pastore (2016, p.439), no Brasil “tivemos senhoriagens muito elevadas nos anos 1960, seguindo-se um período de declínio nos anos imediatamente posteriores ao PAEG, mas elas permaneceram em torno de 2,5% do PIB até o início dos anos 1980, quando voltam novamente a crescer, mantendo-se em média em torno de 3,5% do PIB. Depois do Plano Real, a senhoriagem desaba para menos de 1% do PIB”.

Portanto, a relação que se estabelece entre as duas formas de deflacionar os passivos do governo fica assim expressa:

\[ (12) \frac{M_t}{P_t} - \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}} = \frac{M_t - M_{t-1}}{P_t} - \frac{\pi_t}{1 + \pi_t} \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}} \]

Ajustando-se o último termo em (12) para mesma base, \(P_t\):

\[ (13) \frac{M_t}{P_t} - \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}} = \frac{M_t - M_{t-1}}{P_t} - \pi_t \frac{M_{t-1}}{P_t} \]

onde: \(\frac{M_t - M_{t-1}}{P_t}\) é a variação real da base monetária; \(\pi_t \frac{M_{t-1}}{P_t}\) é o imposto inflacionário.

O incremento total da base monetária em termos reais, \(s_t\), é chamado de senhoriagem e pode ser mais destacada apenas manipulando as variáveis das igualdades (12) ou (13). Mantida constante a variação real da base monetária, a arrecadação do imposto inflacionário continuaria a existir mesmo com baixa inflação.

\[ (14) s_t = \frac{M_t - M_{t-1}}{P_t} = \left(\frac{M_t}{P_t} - \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}}\right) + \left(\frac{\pi_t}{1 + \pi_t} \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}}\right) \]

\[ (15) s_t = \frac{M_t - M_{t-1}}{P_t} = \left(\frac{M_t}{P_t} - \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}}\right) + \left(\pi_t \frac{M_{t-1}}{P_t}\right) \]

Usando o resultado obtido em (14), pode-se retornar à identidade (1) para reescrevê-la, destacando o impacto inflacionário que incide sobre os saldos da dívida e da base monetária.

\[ (16) \frac{G_t}{P_t} + r_{t} \frac{D_{t-1}}{P_t} = \frac{T_t}{P_t} + \left(\frac{D_t}{P_t} - \frac{D_{t-1}}{P_{t-1}}\right) + \left(\frac{\pi_t}{1 + \pi_t} \frac{D_{t-1}}{P_{t-1}}\right) + \left(\frac{M_t}{P_t} - \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}}\right) + \left(\frac{\pi_t}{1 + \pi_t} \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}}\right) \]

Deflacionando-se a identidade (16) pelo mesmo nível de preço, \(P_t\):

\[ (17) \frac{G_t}{P_t} + r_{t} \frac{D_{t-1}}{P_t} = \frac{T_t}{P_t} + \left(\frac{D_t}{P_t} - \frac{D_{t-1}}{P_t}\right) + \pi_t \frac{D_{t-1}}{P_t} + \left(\frac{M_t}{P_t} - \frac{M_{t-1}}{P_t}\right) + \pi_t \frac{M_{t-1}}{P_t} \]

Simplificando-se a expressão (17), utilizando-se de letras minúsculas,

\[ (18) g_t + r_{t} d_{t-1} = t_t + (d_t - d_{t-1}) + \pi_t d_{t-1} + (m_t - m_{t-1}) + \pi_t m_{t-1} \]

Alternativamente,

\[ (19) (g_t - t_t) + (r_{t} - \pi_t) d_{t-1} - \pi_t m_{t-1} = (d_t - d_{t-1}) + (m_t - m_{t-1}) \]

A Taxa de Juros Nominal

A taxa básica de juros é definida pelo Banco Central, servindo de referência ao mercado financeiro sobre as trajetórias dos juros nominais e reais, bem como sua estrutura a termo no curto prazo. Ela também orienta os agentes privados quanto às expectativas de inflação no futuro, seguindo a Regra de Taylor. Por essa regra, se inflação subir acima da meta fixada pelo Banco Central, a taxa de juros nominal deve subir mais que proporcionalmente a taxa de inflação e vice-versa.

Do ponto de vista teórico, a restrição orçamentária intertemporal em (2) pode enfatizar a taxa de juros nominal, bastando apenas adicionar o termo \(r_t m_{t-1}\) em ambos os lados da identidade. Essa notação mostra que a variação da base monetária é, obviamente, relacionada à taxa de juro nominal.

\[ (20) g_t + r_{t} d_{t-1} + r_{t} m_{t-1} = t_t + (d_t - d_{t-1}) + m_t + (i - \pi_t) m_{t-1} \]

onde \(i\) é a taxa de juro nominal e lembrando que:

\[ r_{t} = \left(\frac{1 + i_t}{1 + \pi_t}\right) - 1 \]

\[ M_{t-1} / P_t = m_{t-1} = \left(\frac{M_{t-1}}{P_{t-1}}\right) \left(\frac{P_{t-1}}{P_t}\right) = \frac{1}{1 + \pi_t} \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}} \]

\[ r_{t} m_{t-1} = \left(\frac{1 + i_t}{1 + \pi_t} - 1\right) \frac{1}{1 + \pi_t} \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}} = \frac{i_t - \pi_t}{1 + \pi_t} \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}} = (i_t - \pi_t) m_{t-1} \]

Admitindo-se, por hora, a equação de troca \(MV = py\), a taxa de crescimento nominal da oferta monetária (\(h_t\)) é igual ao nível de preços, portanto:

\[ (21) \frac{\Delta P}{P_t} = \frac{\pi_t}{1 + \pi_t} \]

\[ (21a) \frac{\Delta P}{P_t} = \frac{h_t}{1 + h_t} \]

Por pressuposto, se \(h_t\) cresce igual à taxa de inflação, então o imposto inflacionário (\(II_t\)) é também igual ao crescimento do estoque de moeda multiplicado pelo saldo real da base monetária.

\[ (22) II_t = h_t \frac{M_{t-1}}{P_t} \]

Pela expressão (20), vimos que o imposto inflacionário também é igual a \(\frac{i - \pi_t}{1 + \pi_t} \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}}\) e, que é igual a \((i_t - \pi_t) \frac{M_{t-1}}{P_t}\), logo:

\[ (23) II_t = \frac{i_t - \pi_t}{1 + \pi_t} \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}} \]

Alternativamente,

\[ (23a) II_t = (i_t - \pi_t) \frac{M_{t-1}}{P_t} \]

A expressão (23) demonstra que se a taxa de juro nominal for igual a zero haveria coleta de imposto inflacionário e que a perda dessa receita implica elevar os demais componentes da restrição orçamentária, seja aumentar a carga tributária, seja reduzir os gastos, seja emitir mais dívida pública.

A Demanda por Moeda

Na versão monetarista, a demanda por moeda segue a equação de troca \(MV = py\), em que se considera sua velocidade constante e se defende a proporcionalidade entre o nível de preços e a oferta monetária. A demanda por moeda é dada pela função \(L = (i, y)\) e depende negativamente da taxa nominal de juros (\(i\)) e positivamente da renda real (\(y\)).

Em equilíbrio, a oferta monetária (exógena) iguala-se à demanda real por moeda, tendo que \(M^s / P = L(i, y)\), em que as derivadas parciais são: \(L'(i) < 0\) e \(L'(y) > 0\). Os motivos transação e precaução fazem a demanda por moeda ter uma relação positiva com a renda real. Já o motivo especulação tornaria racional a decisão de reter moeda em função da elevação da taxa de juros nominal, o que implicaria redução do preço dos títulos.

As operações em mercado aberto alteram a composição entre títulos e moeda, sendo que tais alterações são realizadas pela taxa de juros e sua estrutura a termo. Com títulos pré-fixados, a elevação (queda) da taxa de juros levam à queda (elevação) dos preços dos títulos e trazem um efeito riqueza contracionista (expansionista) aos detentores desses títulos (Pastore, 2015, p.110).

Em outras palavras, uma elevação da taxa de juros pode provocar uma perda de riqueza financeira aos grandes detentores de títulos públicos, que são as instituições financeiras e os grandes fundos de pensão. No entanto, a venda de títulos com cláusulas de recompra (operações compromissadas) e os títulos pós-fixados (Letras Financeiras do Tesouro) diminuem os riscos de perda do valor dos ativos financeiros dos rentistas.

Como \(V = py / M\), logo \(V = py / L(i, y)\). A velocidade-renda passa a ser uma função da renda real e da taxa de juro nominal. A equação de trocas \(mv = py\) pode ser escrita na forma logarítmica como \(m_t + v_t = p_t + y_t\). Assim, a velocidade-renda definida como uma função da elasticidade renda da demanda por moeda (\(\phi_y y\)) e da taxa de juros nominal (\(\phi_R i\)) - relacionada ao retorno dos títulos públicos. Logo, a equação de trocas pode ser reescrita com a nova definição de velocidade renda, supondo que o produto esteja no nível potencial.

\[ m_t - p_t = \phi_0 + \phi_y y - \phi_R i + y_t \]

onde: \(\phi_y y =\) demanda por moeda; \(- \phi_R i =\) taxa de juros nominal.

Abstraindo as flutuações do produto potencial, a expressão acima pode ser diferenciada, passando a ser:

\[ \Delta m_t - \pi_t = - \phi_R \Delta i \]

Se o termo \(\phi_R\) é infinito, as movimentações da taxa de juros nominal implicam alterações em direção oposta da demanda real por moeda, sendo assim explosivas. No caso finito, as discrepâncias entre moeda e preços, passam a ser focadas na taxa real juros. Se a taxa real de juros (\(r\)) segue a forma de Fischer, relacionando a taxa nominal de juros e a inflação, então, a taxa real de juros expressa a diferença entre a taxa nominal e a inflação. Seja a taxa real de juros dada por \(r = \frac{1 + i_t}{1 + \pi_t} - 1\) e, em termos de crescimento instantâneo, é igual a \(r = i_t - \pi_t\). Além disso, pode ser introduzida uma variável adicional a representação acima, que é a expectativa de inflação futura, \(E\pi_{t+1}\).

\[ \Delta m_t - \pi_t = - (\phi_R \Delta r + \phi_R E\pi_{t+1}) \]

Assim sendo, a taxa real de expansão da moeda expressa por \((h - \pi)\) é igual a \(- (r + E(\pi_{t+1}))\). Na hipótese de crescimento constante da moeda (\(h = \pi\)), a taxa real de juros refletiria as expectativas futuras de inflação. Por lógica, quando o Banco Central eleva a taxa de juro nominal, seu impacto deprime a atividade econômica e força a queda do nível de preços, alterando a demanda real por moeda e sua velocidade. Haveria um ajustamento entre o estoque nominal de moeda e a demanda por saldos reais.

Ao contrário dos monetaristas, os keynesianos entendem que as alterações da demanda real por moeda ocorreriam endogenamente, não sendo uma variável relevante para determinar a trajetória dos preços. A velocidade constante seria uma hipótese irrealista, pois uma mudança da taxa de juro nominal afetaria sua estabilidade e sua trajetória ficaria indeterminada. Com as inovações tecnológicas e com a moeda fiduciária, a função demanda por moeda poderia ser dispensada no modelo teórico (Cochrane, 2005).

As Medidas dos Déficits Fiscais

Com base no conjunto das deduções acima expostas, define-se a expressão que indica a forma de financiamento do Governo Central (Tesouro e Banco Central):

\[ (24) \frac{M_t - M_{t-1}}{P_t} - \pi_t \frac{M_{t-1}}{P_t} + \frac{D_t - D_{t-1}}{P_t} - \pi_t \frac{D_{t-1}}{P_t} \]

O primeiro e terceiro termos da expressão (24) são iguais, em fluxo, ao pagamento de juros reais menos o resultado primário real, \(\frac{r_{t} D_{t-1}}{P_t} - \frac{X_t}{P_t}\).

Substituindo-se na expressão acima, obtém-se o resultado nominal em termos reais (rn).

\[ (25) rn = r_{t} \frac{D_{t-1}}{P_t} - \frac{X_t}{P_t} - \pi_t \frac{M_{t-1}}{P_t} - \pi_t \frac{D_{t-1}}{P_t} \]

Reagrupando os termos em \(\frac{D_{t-1}}{P_{t-1}}\),

\[ (26) rn = (r_{t} - \pi_t) \frac{D_{t-1}}{P_t} - \frac{X_t}{P_t} - \pi_t \frac{M_{t-1}}{P_t} \]

onde: \(X_t / P_t = T_t / P_t - G_t / P_t\).

Conclui-se que a restrição orçamentária do governo definida pelos critérios abaixo da linha (financiamento) e acima da linha (orçamento público) é assim representada em termos reais:

\[ (27) \left(\frac{M_t}{P_t} - \frac{M_{t-1}}{P_{t-1}}\right) + \left(\frac{D_t}{P_t} - \frac{D_{t-1}}{P_{t-1}}\right) = (r_{t} - \pi_t) \frac{D_{t-1}}{P_t} - \frac{X_t}{P_t} - \pi_t \frac{M_{t-1}}{P_t} \]

onde: \(r_t =\) taxa de juro real; \((r_t - \pi_t) \frac{D_{t-1}}{P_t} - \frac{X_t}{P_t} =\) resultado operacional; \(X_t / P_t =\) resultado primário; \(\pi_t \frac{M_{t-1}}{P_t} =\) imposto inflacionário.

Como demonstram, didaticamente, Cysne e Simonsen (2009):

\[ \begin{array}{|c|c|} \hline \text{Resultado nominal real} & \text{Resultado operacional real menos o imposto inflacionário} \\ \hline \text{Resultado operacional real} & \text{aumento real da base monetária + aumento real da dívida pública líquida + imposto inflacionário} \\ \hline \end{array} \]

Portanto, o Governo Central consegue determinar o aumento real da dívida líquida (política fiscal), a variação da base monetária e a necessidade de coleta de imposto inflacionário (política monetária). Ele se financia por imposto oculto (imposto inflacionário), pelo monopólio da emissão de moeda, assim como por empréstimos obtidos junto ao público e por poupança primária. As escolhas de política econômica giram em torno da definição da forma de financiamento: monetário, ou convencional com tributação e emissão de dívida.

A coordenação entre as políticas fiscal e monetária determina, simultaneamente, um dado nível de preço de equilíbrio. A execução da política fiscal também exerce sua influência sobre a oferta monetária. O grau dessa influência indica o tipo de regime adotado pelo governo para financiar o déficit público. De forma direta, a monetização direta do déficit público ocorreria quando a autoridade monetária emite moeda para a compra direta da dívida emitida pelo governo, o que caracterizaria as situações de hiperinflações verificadas em várias economias mundiais.

De forma indireta, o déficit nominal seria financiado por intermédio da emissão de títulos vendidos junto aos detentores da dívida pública. Havendo insuficiência na geração de superávit primários, a expansão fiscal pode levar à acomodação da política monetária, pressionando a elevação da taxa de juro nominal e o aumento das expectativas dos rentistas. Isso implica afirmar que há uma relação de causalidade entre os déficits fiscais e as expectativas de inflação. O financiamento do Tesouro mediante as emissões de títulos em poder do público não é o único determinante da movimentação da oferta monetária, havendo outras operações relevantes, tais como as do setor externo (compra de divisas), as operações de redesconto e as linhas de crédito especiais.

Na versão monetarista, uma política de juros reais elevados ajuda a debelar o processo inflacionário mesmo na ausência de restrições fiscais. A contração monetária é uma condição necessária e suficiente para controlar a inflação (McCallum, 2006). No entanto, durante o governo Dilma, os juros reais estiveram elevados e não propiciaram a queda do nível de preços. Foi necessário estabelecer uma âncora fiscal adicional (teto de gastos) como freio à elevação do déficit público.

Para os teóricos keynesianos, numa visão mais tradicional, a expansão monetária afeta a demanda agregada, elevando o produto acima do potencial da economia e pressionando a elevação dos preços. Em outra vertente, a instabilidade dos preços decorre das expectativas futuras de déficits fiscais mais elevados alimentam as expectativas inflacionárias. A Teoria Fiscal do Nível de Preços passa defender que os passivos do governo definem a trajetória do nível de preços, sem a necessária vinculação monetarista entre a expansão da dívida pública e a criação de moeda.

Vale ressaltar que a decisão do Banco Central em elevar a taxa básica da economia afeta as despesas com juros reais. Em tal situação, o Tesouro pode financiar suas despesas com juros, de forma convencional, com o aumento de impostos ou com corte de gastos, bem como com a emissão de nova dívida nominal de forma sustentável. Numa situação de déficits elevados, também se pode recorrer à expansão monetária. Disso resulta duas questões relativas às estratégias de escolha das autoridades públicas:

  • a elevação da dívida pública torna-se crescente e segue um caminho aleatório, levando ao aumento da carga tributária futura, ou a utilização intensa de receitas de senhoriagem;
  • os resultados primários insuficientes levam à acomodação da política monetária, bem como, à monetização do déficit nominal, convalidando (ou não) a restrição orçamentária intertemporal.

O Equilíbrio Intertemporal

Suponha que a inflação seja zero e que, portanto, não haja imposto inflacionário, nem erosão inflacionária sobre a dívida pública. A restrição orçamentária intertemporal pode ser reescrita, representando o somatório dos gastos presentes, os quais são financiados por impostos, por senhoriagem e por emissão de dívida remunerada junto ao público.

\[ (28) g_t + rd_{t-1} = t_t + (d_t - d_{t-1}) + (m_t - m_{t-1}) \]

Numa perspectiva temporal e considerando a taxa de juro real positiva e constante, \(r = r_t > 0\), a notação do equilíbrio intertemporal é, assim, proposta por Walsh (2010, p.142)

\[ (29) (1 + r_t) d_{t-1} + \sum_{i=0}^\infty \frac{g_{t+i}}{(1+r)^i} = \sum_{i=0}^\infty \frac{t_{t+i}}{(1+r)^i} + \sum_{i=0}^\infty \frac{s_{t+i}}{(1+r)^i} + \lim_{i \to \infty} \sum_{i=0}^\infty \frac{d_{t+i}}{(1+r)^i} \]

Supondo, agora, que a arrecadação de tributos seja suficiente para equilibrar os gastos públicos do Governo Central no decorrer do tempo, e que não haja a condição Ponzi, \(\lim_{i \to \infty} \sum_{i=0}^\infty \frac{d_{t+i}}{(1+r)^i} = 0\), a condição de equilíbrio intertemporal será dada por:

\[ (30) (1 + r_t)d_{t-1} = -\sum_{i=0}^\infty \frac{(g - t - s)_{t+i}}{(1+r_t)^i} \]

Alternativamente,

\[ (31) d_{t-1} = (1+r_t)^{-i} \cdot -\sum_{i=0}^{\infty} (g_{t+i} - t_{t+i} - s_{t+i}) \]

A expressão (30) diz que o valor presente dos resultados primários futuros, descontados a uma taxa \(r\) positiva, deve se igualar ao passivo existente, devendo a política fiscal proceder os ajustes necessários sobre os tributos e os gastos públicos de forma a garantir o equilíbrio intertemporal. De outra parte, a política monetária exerce o controle sobre a senhoriagem.

A expressão (31) também nos informa que a dívida existente deve ser financiada por resultados primários e, de forma complementar, por senhoriagem. Portanto, haveria a uma relação empírica a ser medida na trajetória desses resultados e do saldo da dívida.

A Aritmética Monetarista

Em artigo escrito em 1981, “Some Unpleasant Monetarist Arithmetic”, Tom Sargent e Neil Wallace, chegam à conclusão de que um banco central não tem o controle unilateral sobre a taxa de inflação de longo prazo mesmo havendo coordenação entre as políticas monetária e fiscal.

Supondo que tais políticas se conectam à restrição orçamentária intertemporal e são coordenadas, a autoridade monetária pode enfrentar restrições decorrentes na demanda por títulos conforme a taxa de juros sinalizada ao mercado. Pela conhecida aritmética monetarista, as receitas de senhoriagem e demais receitas transferidas pelo Banco Central ajudam a financiar os déficits fiscais, quando os resultados primários são insuficientes para conter o crescimento da dívida. Isso permite que o endividamento não seja explosivo (Pastore, 2015, p.76). Logicamente, tal assertiva pressupõe que a restrição orçamentária intertemporal não seja violada.

Segundo Walsh (2010, p.143) e Cochrane (2000, p.5), podem surgir dois tipos de regimes que mostram as interações que se estabelece entre as políticas fiscal e monetária. No regime ricardiano ou de dominância monetária, a autoridade fiscal ajusta o superávit primário para conter a expansão endividamento real, podendo a autoridade monetária controlar a taxa de juros de maneira independente das necessidades de financiamento do Tesouro. O nível de preços resguarda a proporcionalidade com a oferta de moeda, garantindo a independência da política monetária. Esta última determina o nível de preços de equilíbrio e a política fiscal ajusta os demais passivos do governo a partir desse nível de preço pré-determinado.

No regime de dominância fiscal, os superávits primários se tornam insuficientes para conter os desequilíbrios entre os tributos e os gastos públicos e a expansão dos juros reais (déficit operacional), a política monetária sofre o impacto das necessidades de financiamento do déficit público. A autoridade fiscal eleva a dívida nominal e força a subida da curva de juros, aumentando as expectativas de déficits fiscais futuros. O déficit fiscal não consegue ser apenas financiado com a emissão de nova dívida, forçando o Banco Central a monetizar o déficit e, consequentemente, gerando a inflação.

Nessa situação, a política fiscal afetaria a determinação da taxa de juro nominal e, por consequência, o nível de preços ajustaria os passivos do governo. A demanda por moeda passaria a determinar a oferta monetária e esta última não determinaria o nível de preços. Ao não controlar as decisões sobre os superávits primários e a emissão líquida da dívida, a autoridade monetária não teria plena condição para determinar a taxa de juros e a inflação a longo prazo.

Nas palavras de Walsh:

If the present discounted value of these taxes is not sufficient to finance expenditures (in present value terms), seigniorage must adjust to ensure that the government’s intertemporal budget constraint is satisfied. This regime is one of fiscal dominance (or active fiscal policy) and passive monetary policy, as monetary policy must adjust to deliver the level of seigniorage required to balance the government’s budget. Prices and inflation are affected by changes in fiscal policy because these fiscal changes, if they require a change in seigniorage, alter the current and/or future money supply”. (Walsh, 2010, p.143)

No caso brasileiro, várias análises empíricas (não consensuais) sobre a sustentabilidade da dívida federal foram realizadas com técnicas econométricas diversas, sugerindo que a política fiscal do Governo Central foi sustentável, porque houve a utilização de receitas de senhoriagem para garantir que o endividamento não fosse explosivo no período anterior ao Plano Real.

Uma síntese desses trabalhos pode ser encontrada no livro “Inflação e Crise” (Pastore, 2015). Os autores, Divino e Gadelha (2008), procuraram verificar se existe dominância fiscal ou monetária na economia brasileira no período pós-Real (1995-2005). Seus resultados sugeriram que a economia brasileira se encontrava sob regime de dominância monetária.

A Teoria Fiscal do Nível de Preços

No que tange à Teoria Fiscal do Nível de Preços, Cochrane (2000 e 2021) defende que a condição de equilíbrio dos preços é determinada pelos passivos do governo e sua relação com os superávits primários futuros, sem a influência decisiva da política monetária. O autor chama a restrição intertemporal do governo como equação de “valuation” da dívida governamental (dívida junto ao público e moeda). Numa perspectiva de solvência, a equação mostra que o saldo dos passivos deve se igualar ao montante dos resultados primários projetados, trazido a valor presente por uma taxa real de desconto.

\[ \text{Passivos do governo} / P_t = \text{Valor presente dos superávits primários em t+i} \]

Alternativamente, em Walsh (2010, p.167):

\[ (32) D_t / P_t = \sum_{i=0}^\infty \lambda_{t,t+i} [ t_{t+i} + s_{t+i} - g_{t+i}] \]

Com os passivos pré-determinados, a equação dos preços é dada por:

\[ (33) P_t = \frac{D_t}{\sum_{i=0}^\infty \lambda_{t,t+i} [ t_{t+i} + s_{t+i} - g_{t+i}]} \]

As equações definem que não há uma única condição de equilíbrio para os preços, apenas aquela situação em que ocorre a solvência dos passivos. Isso é bem diferente do monetarismo que considera o nível de preço pré-determinado pela oferta monetária. O nível de preços passa responder aos choques de impostos e gastos, sendo que suas flutuações fazem com que o valor real dos passivos do governo se ajuste para alcançar o equilíbrio (Bassetto, 2021, p.5).

Lara Resende (2017, p.133-134) interpreta a conhecida restrição orçamentária do governo como uma condição de equilíbrio. A igualdade entre o déficit nominal e o valor presente dos resultados primários futuros não é apenas determinado pelo resultado primário, mas também pelo nível de preços que atua em ambos os lados da igualdade. A referida medida serve de guia quanto à solvência do governo e influencia as expectativas do mercado.

O papel da inflação seria reduzir o valor real do passivo nominal (dívida pública e moeda), havendo uma nova causalidade para a determinação do nível de preços. Os preços determinam a inflação e não ao contrário como supõe o monetarismo. A âncora do nível de preços e da inflação é de base fiscal, sendo o papel da política monetária interferir na taxa de juros básica e, assim, em toda sua estrutura a termo.

A migração dos bancos centrais para o regime de metas de inflação, em substituição ao controle dos agregados monetários, é uma prova empírica de que a plena postulação monetarista não encontra mais respaldo na execução da política monetária. Portanto, tais questionamentos negam os fundamentos da argumentação do monetarismo, que é ainda ensinado como uma verdade única e serve de guia ideológico para o mercado financeiro.

Numa economia mercado, com moeda fiduciária e sem lastro, os bancos centrais não controlam a base monetária. A política de juros é determinada pela taxa básica de curto prazo:

“Os bancos centrais definem a taxa nominal de curto prazo e influenciam a taxa nominal de longo prazo (sinalizando sua política futura e a compra de ativos). Os participantes desse mercado ajustam suas carteiras baseados em suas expectativas quanto à política do banco central, seus pontos de vista sobre outros fatores que influenciam a taxa de longo prazo, suas atitudes em relação ao risco e às restrições em seus balanços. Dada a taxa de juros nominal, a inflação atual, que é rígida, determina ex post as taxas reais e a expectativa ex ante da taxa de inflação.” (Borio, 2019, p.3)

A TFLP recebeu forte reação teórica dos críticos. Buiter (2002) sugere que a restrição orçamentária intertemporal não pode ser violada, pois tal condição é permanente, não somente na situação de solvência da dívida. Em uma economia de mercado, a garantia das obrigações contratuais é o cerne da confiança no sistema, evitando os riscos de default. Ao se relevar o papel da restrição orçamentária, abre-se a possibilidade do endividamento explosivo.

Lopes (2017) observa que a referida condição de solvência da dívida é, “em última instância, uma hipótese de confiança na sustentabilidade fiscal de longo prazo”. Não há clareza sobre qual o mecanismo de mercado produz o ajustamento entre os passivos do governo e o valor presente dos resultados primários, numa situação em que os detentores da dívida não vislumbram lastro financeiro nos superávits futuros.

Fialho e Portugal (2005), ao realizarem estudos econométricos para o período 1995-2003, usaram as hipóteses da TFLP para as séries da dívida/PIB e superávit primário/PIB. Pelos testes realizados, sugeriram um regime de dominância monetária para o caso brasileiro. Entretanto, cabe reprisar que não há consenso no debate acadêmico em torno do tema da sustentabilidade fiscal e do regime de dominância nos estudos empíricos aplicados para o Governo Central no Brasil.

Existe certo consenso de que para estabilizar os preços se deve recorrer a necessária definição de uma âncora, seja ela fiscal, seja cambial ou monetária. No Brasil, o Plano Real teve a âncora cambial e o regime de câmbio fixo até 1999. Depois disso, o Governo Central vem adotando o câmbio flexível, as metas de inflação e as metas fiscais, com ênfase para a obtenção de resultados primários para todos os níveis de governo. Em 2015, a contratação monetária realizada pelo Banco Central foi insuficiente para debelar a inflação, tendo que se recorrer a uma nova âncora fiscal (teto de gastos).

Diferentemente do que se observou por décadas no Brasil, a política monetária executada, no período 2019-22, teve o grande mérito de reduzir a taxa Selic até 2% ao ano até março de 2021, evidenciando ganhos relevantes com a redução dos juros reais. A taxa Selic começou a se elevar a partir de março de 2021, quando a inflação já dava sinais de elevação. Já havia a pressão do mercado financeiro pela elevação da taxa básica de juros ao final de 2020.

A manutenção da taxa Selic baixa ficou difícil devido à aceleração inflacionária, causada pelo câmbio e pela paralisia econômica que afetou as diversas cadeias produtivas ao longo de 2020. Houve uma enorme pressão para o retorno dos juros reais positivos, indicando que o mercado financeiro depende de uma curva de juros futuros elevada. Para comprovar essa afirmação basta olhar as estatísticas do Banco Central e as reiteradas críticas advindas dos analistas de mercado visando à elevação da “taxa neutra” de juros.

Os fatores condicionantes da base monetária referem-se aos fluxos acumulados de políticas fiscais e monetárias que afetam diretamente a liquidez na economia num dado período considerado. Em 2018, a base monetária era R$ 302,0 bilhões e saltou para R$ 431,5 bilhões ao final de 2020 devido aos impulsos fiscais e monetários expansionistas, necessários ao combate da pandemia da Covid-19 e a queda do emprego e da renda na economia. A partir de março de 2021, seguiu-se a elevação da taxa de Selic (de 2% até 13,75%) e a contração monetária nos dois anos seguintes, atingindo R$ 398,6 bilhões em outubro de 2022.

No período acumulado 2019-22 (até outubro), os fatores de expansão da base monetária foram a conta do Tesouro Nacional com os estímulos fiscais (R$ 474,7 bilhões) e as linhas temporárias de liquidez (R$ 41,7 bilhões). As operações com títulos federais resultaram em contração, havendo colocações líquidas de R$ 198,9 bilhões no mercado primário (TN) e compras líquidas de R$ 196,9 bilhões no secundário (BACEN, compromissadas), resultando em uma movimentação líquida de -3,0 bilhões em títulos. Ainda no sentido contracionista, destacam-se as operações do mercado externo (R$ -306,2 bilhões), o depósito de instituições financeiras (R$ -4,9 bilhões) e outras contas (R$ -107,2 bilhões).

Portanto, a rápida e forte elevação da taxa Selic e a contração da oferta monetária efetivada pelo Banco Central foram relevantes para a conter a expansão inflacionária verificada em 2021-22. Tal expansão foi decorrente da queda abrupta da economia em 2020 e da consequente desarticulação das cadeias produtivas, além dos impulsos fiscais e monetários realizados pelo Tesouro Nacional e Banco Central que afetaram a base monetária.

A Senhoriagem como Proporção do PIB

Pode-se correlacionar o saldo da base monetária ao produto nominal da economia e chegar as mesmas conclusões teóricas que foram evidenciadas na seção anterior. Seja a base monetária (\(M\)) expressa em proporção do PIB nominal (\(Y_t = p_t.y_t\)), sendo diferenciada em relação ao tempo.

\[ (34) \frac{d(M_t/Y_t)}{dt} = \frac{d(M_t / (p_t y_t))}{dt} \]

\[ = \frac{1}{(p_t y_t)^2}\left[p_t y_t \frac{dM_t}{d(p_t y_t)} - M_t \frac{d(p_t y_t)}{d(p_t y_t)}\right] \]

onde: \(Y_t =\) produto nominal; \(p_t =\) nível de preço; \(y_t =\) produto real.

A expressão (34) pode ser reescrita em seu primeiro termo, de forma a destacar a taxa de crescimento instantânea da base monetária. Reescreve-se o primeiro termo, lembrando que a renda nominal é igual a \(Y_t = p_t y_t\). A seguir, aplica-se a regra da multiplicação ao segundo termo:

\[ (35) \frac{d}{dt} ( M_t / Y_t ) = \frac{1}{Y_t} \frac{dM_t}{Y_t} - \frac{M_t}{(p_t y_t)^2} \frac{d(p_t y_t)}{d(p_t y_t)} \]

Resolvendo o segundo termo,

\[ (36) \frac{d}{dt} \left( \frac{M_t}{Y_t} \right) = \left( \frac{1}{Y_t} \cdot \frac{dM_t}{dY_t} \right) - \left( \frac{M_t}{p_t y_t} \cdot \frac{y_t}{p_t y_t} \cdot \frac{dp_t}{dp_t} \right) - \left( \frac{M_t}{p_t y_t} \cdot \frac{p_t}{p_t y_t} \cdot \frac{dy_t}{dy_t} \right) \]

Simplificando-se os termos \(y_t\) e \(p_t\) no numerador e denominador da expressão, chegando-se:

\[ (37) \frac{d}{dt} ( M_t / Y_t ) = \frac{1}{Y_t} \frac{dM_t}{dY_t} - \frac{M_t}{y_t} \frac{1}{p_t} \frac{dp_t}{dp_t} - \frac{M_t}{y_t} \frac{1}{y_t} \frac{dy_t}{dy_t} \]

onde: \(\frac{1}{Y_t} \frac{dM_t}{dY_t} = m_t\), é a taxa instantânea de crescimento da base monetária; \(\frac{1}{p_t} \frac{dp_t}{dp_t} = \pi\), é a inflação; \(\frac{1}{y_t} \frac{dy_t}{dy_t} = g_t\), é a taxa instantânea de crescimento real do produto.

Substituindo-se por \(m_t, \pi_t\), e \(g_t\) na expressão (37), obtém-se igualmente as duas identidades abaixo.

\[ (38) \frac{d}{dt} ( M_t / Y_t ) = m_t - \pi_t \frac{M_t}{Y_t} - g_t \frac{M_t}{Y_t} \]

Rescrevendo a expressão acima,

\[ (39) \frac{d}{dt} ( M_t / Y_t ) = m_t - (\pi_t + g_t) \frac{M_t}{Y_t} \]

onde: \(m_t =\) senhoriagem; \(\pi_t \frac{M_t}{Y_t} =\) imposto inflacionário; \(g_t \frac{M_t}{Y_t} =\) expansão da demanda por moeda provocada pelo PIB.

Com base nas deduções acima expostas, chega-se à conclusão de que a base monetária, como proporção do PIB, depende de sua expansão real, do imposto inflacionário e do crescimento da demanda de moeda provocada pelo crescimento econômico. Como bem demonstra Pastore (2015, p.13-14), no caso particular de \(g_t\) e \(m_t\) nulos, a senhoriagem é igual ao imposto inflacionário, isto é, \(\pi_t \frac{M_t}{Y_t}\). Se \(g_t > 0\) e a elasticidade da renda da demanda por moeda for unitária, então o imposto inflacionário é ampliado para \((\pi_t + g_t) \frac{M_t}{Y_t}\). Assim, mesmo sem aumento real da base monetária, o governo pode coletar imposto inflacionário, que será mais elevado quanto maior for a taxa de inflação.

A Restrição Orçamentária em Relação ao Produto Nominal

Avançando na presente exposição, já se demonstrou que o resultado nominal é financiado pela expansão do endividamento público líquido e pelo aumento da base monetária. Posta as necessidades de financiamento na forma de variações da dívida e da base monetária, já que se trata de uma comparação entre fluxos, tem-se o que segue em termos nominais:

\[ (40) (M_t - M_{t-1}) + (D_t - D_{t-1}) = iD_{t-1} - X_t \]

onde: \(X_t =\) resultado primário, também expresso por \((T - G)\); \(T =\) arrecadação de impostos; \(G =\) gastos do governo.

Reagrupando os termos e passando \(D_{t-1}\) para o lado direito, com a introdução da senhoriagem:

\[ (41)D_t = (1 + i_t) D_{t-1} - X_t - S_t \quad \text{onde} \quad S_t = (M_t - M_{t-1}) \]

onde: \(S_t =\) = aumento real da base monetária + imposto inflacionário.

Dividindo-se os termos pelo PIB nominal, \(p_t y_t\), onde \(p_t\) é o nível de preço e \(y_t\) é o produto real, obtém-se:

\[ (42) D_t / (p_t y_t) = (1 + i_t) D_{t-1} / (p_t y_t) - X_t / (p_t y_t) - S_t / (p_t y_t) \]

Reescrevendo o primeiro termo do lado direito da igualdade, tem-se que:

\[ (43)\frac{D_t}{p_t y_t} = (1 + i_t) \frac{D_{t-1}}{p_{t-1} y_{t-1}} \frac{p_{t-1} y_{t-1}}{p_t y_t} - \frac{X_t}{p_t y_t} - \frac{S_t}{p_t y_t} \]

\[ = (1 + i_t) \frac{y_{t-1}}{y_t} \frac{p_{t-1}}{p_t} \frac{D_{t-1}}{p_{t-1} y_{t-1}} - \frac{X_t}{p_t y_t} - \frac{S_t}{p_t y_t} \]

Como \(\frac{p_{t-1}}{p_t} = \frac{1}{1 + \pi_t}\) e \(\frac{y_{t-1}}{y_t} = \frac{1}{1 + g_t}\), onde \(\pi_t\) é a taxa real de crescimento do produto e \(g_t\) é a inflação, substituindo em (43), tem-se:

\[ (44) D_t / (p_t y_t) = \frac{1 + i_t}{(1 + \pi_t)(1 + g_t)} \frac{D_{t-1}}{(p_{t-1} y_{t-1})} - X_t / (p_t y_t) - S_t / (p_t y_t) \]

Sendo \((1 + r_t) = \frac{1 + i_t}{1 + \pi_t}\) a taxa real de juro, a expressão (44) pode ser reescrita como segue:

\[ (45) D_t / (p_t y_t) = \left(\frac{1 + r_t}{1 + g_t}\right) \frac{D_{t-1}}{(p_{t-1} y_{t-1})} - X_t / (p_t y_t) - S_t / (p_t y_t) \]

De forma alternativa,

\[ (46) d_t = (1 + R_t) d_{t-1} - x_t - s_t \]

onde: \((1 + R_t) = \frac{1 + r_t}{1 + g_t}\).

Se a taxa de crescimento do produto real é zero, logo \(R_t = r_t\). Admitindo-se que \(\sum_{i=0}^\infty \frac{d_{t+i}}{(1 + r)^i} = 0\), isto é, sem um esquema Ponzi, a expressão (45) se resume:

\[ (47) \left(\frac{1 + r_t}{1 + g}\right) d_{t-1} = \sum_{i=0}^\infty \frac{x_t - s_t}{(1 + r)^i} \]

Alternativamente, o valor da dívida presente, \(d_t\), expressa os valores descontados do resultado primário trazidos a uma dada taxa de desconto:

\[ (48) d_t = -\sum_{i=0}^\infty \left[\left(\frac{1 + r_t}{1 + g}\right)^{-i}\right] \left[x_t - s_t\right] \]

Dando outro passo adiante, subtraindo-se \((d_{t-1})\) em ambos os lados da equação como proporções do PIB, obtém-se o acréscimo da dívida entre os dois períodos:

\[ (49) d_t - d_{t-1} = \frac{(r_t - g)}{(1 + g)} d_{t-1} - x_t - s_t \]

onde: \(d_t - d_{t-1} =\) variação da dívida como proporção do PIB; \(x_t =\) resultado primário como proporção do PIB; \(s_t =\) senhoriagem como proporção do PIB.

Sendo o lado esquerda igualado a zero em (49), chega-se à condição de estabilização da dívida, isto é, quando a variação do endividamento é constante, \(d_t - d_{t-1} = 0\):

\[ (50) x_t + s_t = \frac{(r_t - g)}{(1 + g)} d_{t-1} \]

Seja \(\rho = \frac{1}{1 + g}\) na expressão (50), então:

\[ (51) d_t - d_{t-1} = \frac{r_t - g_t}{\rho} d_{t-1} - x_t - s_t \]

Para que a relação dívida/PIB permaneça constante na expressão acima, o resultado primário alcançado, \(x_t + s_t\), deve ser igual aos juros reais, sendo expresso pela diferença dada entre a taxa de juro real, \(r\), e o crescimento do produto real, \(\rho\), incidente sobre o saldo da dívida.

Assim, se o resultado primário e a senhoriagem forem insuficientes, e se a taxa de juro real exceder o crescimento do produto real, a expansão do endividamento público poderá ser explosiva. Na situação de \(r > \rho\), a variação da relação dívida/PIB crescerá a uma taxa \(\frac{r}{\rho}\).

O governo não conseguirá rolar sua dívida e terá que adotar medidas fiscais visando interromper o processo de acumulação de dívida, escolhendo entre os regimes monetário (ricardiano) ou fiscal (não ricardiano).

Em caso contrário, com \(r < \rho\), ocorre queda da variação do endividamento ao longo do tempo. Por fim, se \(r = g\), o resultado primário requerido será nulo, independentemente do nível de dívida.

Outra forma de escrever a expressão (49) é mostrar a relação que se estabelece entre os regimes fiscal e monetário, substituindo-se a senhoriagem (\(s_t\)) pelo incremento da base monetária em relação ao PIB nominal. A expressão acima é assim expressa:

\[ (52) d_t - d_{t-1} = \left( \frac{r - g}{1 + g} \right) d_{t-1} - x_t - \frac{M_t - M_{t-1}}{P_t} \]

onde: \(m_t =\) base monetária.

Dada a condição de estabilização (52), suponha que não exista a coleta de senhoriagem (\(s_t\)) e que o governo adote o déficit operacional como uma meta constante em relação ao PIB. Quando a taxa de crescimento real do PIB é nula, o fluxo de juros reais seria igual a \(r \cdot d_{t-1}\).

Para que o déficit operacional se mantenha constante em relação ao PIB, sempre que houver uma elevação dos juros reais, deverá ocorrer uma variação de igual magnitude e de sinal contrário no déficit primário. Portanto, admitindo-se o caso particular \(g = 0\), para que a dívida permaneça constante, temos que \(d_t - d_{t-1} = 0\), resultando em um crescimento linear da dívida. Nesse caso, o governo terá que gerar um superávit primário igual à componente de juros reais (Pastore, 2015, p.73).

Nessa versão, a restrição orçamentária intertemporal pode ser dita como regime monetário se a política fiscal é ajustada para que a relação dívida/PIB permaneça constante. No regime de dominância fiscal, a relação dívida/PIB é crescente, mesmo que a base monetária seja mantida estável, o que exige aumentos futuros da senhoriagem para financiar o déficit.

A TFLP sugere que, ao ajustar os superávits primários para manter a solvência do governo a longo prazo, o impacto nas expectativas inflacionárias dos agentes privados será significativo. Isso está em linha com a ideia de que a política fiscal e as expectativas sobre superávits futuros são cruciais para determinar a trajetória dos preços.

Considerações Finais

Os dois modelos teóricos apresentados precisam ser avaliados quanto à estabilidade da dívida e aos custos sociais inerentes ao processo de ajustamento. No Brasil, os superávits (ou déficits) primários e os déficits nominais elevados registrados pelo Governo Central, entre 2002 e 2020, e as situações quase “falimentares” de governos subnacionais (Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul), incapazes de honrar suas dívidas, têm como um dos fatores explicativos a política de juros reais, e não apenas o crescimento real dos gastos públicos. A independência da política monetária representa um discurso teórico com objetivos determinados. A economia americana saiu da crise financeira de 2008 devido à coordenação entre o Tesouro e o Banco Central, e à flexibilização monetária praticada pelo FED.

Sayad (2016, p.49) observa que a origem teórica de um economista pode ser retratada de maneira estilizada. Uma vertente teórica aponta o déficit público (especialmente os gastos correntes) e a falta de disciplina fiscal dos governos como responsáveis pela inflação e pela falta de crescimento econômico. Implícita nessa lógica está o “esquecimento” dos juros reais incorporados à riqueza financeira privada. Afinal, os superávits primários garantem o pagamento do serviço da dívida e a rentabilidade dos títulos no mercado financeiro.

Outra vertente enfatiza os juros nominais, a definição da taxa de juros através da política monetária e as reduções consistentes da taxa básica. Alguns propõem déficits fiscais cíclicos, combinados com incentivos creditícios ao capital. Durante a crise da pandemia de Covid-19 em 2020, surgiram defensores da expansão monetária como forma de financiamento do déficit nominal.

Em todas as situações, muitas proposições derivam dos modelos teóricos expostos. Uma crítica pertinente é a demasiada ênfase atribuída às metas fiscais, resguardando-se a importância do teto de gastos. Têm sido relegados os projetos de investimentos e a imposição de regras visando à sustentabilidade da dívida. O orçamento equilibrado não é um fim em si mesmo, mas uma condição relevante para que um governo esbanjador não prejudique a economia de mercado. No caso brasileiro, durante o período de queda da taxa Selic, verificou-se a importância da redução dos custos de carregamento da dívida federal.

Enquanto a política monetária do Banco Central mantiver os “juros de equilíbrio” com expectativas elevadas, o serviço da dívida federal competirá com os gastos obrigatórios e os investimentos do Governo Central. Resta convencer os rentistas de que é preciso romper com tal paradigma para que haja crescimento econômico. A riqueza financeira em títulos pós-fixados não pode ser preservada sem os riscos inerentes ao capitalismo.

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