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A interação entre os regimes fiscais e a trajetória temporal da dívida pública é o que define a sustentabilidade fiscal. Este tema tem sido objeto de intensos debates acadêmicos e estudos econométricos, visando compreender sua base teórica e mensuração adequada.
A relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) revela sua evolução ao longo do tempo e o impacto substancial do crescimento econômico sobre sua trajetória. Para compreender essa dinâmica, são essenciais indicadores como a Dívida Líquida do Setor Público em relação ao PIB (DLSP/PIB) e a Dívida Consolidada Líquida em relação à Receita Corrente Líquida (DCL/RCL). Além disso, é importante considerar fatores como os prazos de maturação, os tipos de indexadores utilizados e os impulsionadores que podem ampliar ou reduzir seu peso relativo. Os limites de endividamento assumem um papel crucial nessa análise, uma vez que fornecem parâmetros para avaliar a consistência dos regimes fiscais adotados pelos governos, garantindo a estabilidade financeira e evitando crises de inadimplência.
Conceitualmente, a sustentabilidade fiscal requer que o valor presente da dívida pública não ultrapasse o montante dos fluxos descontados dos superávits primários esperados no futuro. Isso implica a necessidade de projetar diferentes cenários de resultados primários futuros, considerando as incertezas associadas às variáveis macroeconômicas, bem como a disposição dos gestores públicos em implementar os ajustes necessários. Além disso, é fundamental escolher uma taxa de desconto apropriada para os resultados primários futuros (Costa, 2009, p. 82).
A persistência de déficits fiscais ao decorrer dos anos pode resultar na acumulação insustentável da dívida, especialmente na ausência de um plano viável de amortização no longo prazo. O acúmulo de passivos pode comprometer a estabilidade fiscal, aumentando os riscos de crises financeiras e instabilidade macroeconômica. Portanto, a manutenção de políticas fiscais prudentes e a implementação de medidas para controlar a trajetória desses passivos são essenciais para garantir a estabilidade econômica.
É importante destacar que os estudos sobre esse tema frequentemente recorrem a análises econométricas. A concepção de que a dívida pública e os resultados primários devem permanecer estacionários reflete a preocupação de que um aumento desenfreado dessas variáveis em relação ao PIB possa sinalizar problemas de solvência a longo prazo.
A estacionariedade de uma série temporal implica que seus resíduos (ou seja, os erros da série após a remoção de tendências e sazonalidades) sigam as hipóteses clássicas da estatística, que incluem média zero, variância constante e ausência de autocorrelação dos resíduos. A cointegração ocorre quando duas ou mais séries temporais não estacionárias exibem uma relação estável de longo prazo entre si, indicando um equilíbrio duradouro, mesmo que cada série não seja estacionária individualmente.
Conforme delineado por Marques Júnior e Oliveira (2011), a confirmação da sustentabilidade ocorre quando tanto a dívida pública quanto os superávits primários, em relação ao PIB, são estacionários. Em outras palavras, essas variáveis são teoricamente sem tendência ao longo do tempo I (0); ou, na prática, podem exibir uma tendência linear I (1). Os autores explicam que a restrição orçamentária intertemporal é respeitada quando: (i) essas variáveis, possivelmente com uma tendência linear I (1), são cointegradas; (ii) a receita tributária e a despesa total também são cointegradas, implicando que a taxa de crescimento do PIB é igual à taxa de juros paga.
No contexto gaúcho, a análise da política fiscal de longo prazo foi abordada em estudos conduzidos por Marques Júnior (2005), Marques Júnior e Jacinto (2006) e Marques Júnior e Oliveira (2011). Estes trabalhos se concentram sua avaliação ao longo de períodos específicos, como 1970–97, 1970–03 e 1970–07.
No primeiro artigo, Marques Júnior (2005) investiga a hipótese de que a política fiscal no período de 1970–97 foi sustentável, apesar agravamento da situação das finanças estaduais entre 1994 e 1998 devido à deterioração dos resultados fiscais e à estabilização de preços sobre a despesa pública. Para essa análise, foram aplicados testes de raiz unitária em séries temporais que incluíam a “dívida mobiliária” e o “déficit primário” em relação ao PIB estadual. Note que o conceito de resultado primário utilizado considerava a despesa total menos o serviço da dívida menos receita tributária, o que é bem diverso do definido pelo Tesouro Nacional para os entes subnacionais.
O autor conduziu o teste de raiz unitária de Dickey-Fuller para verificar a estacionariedade das séries temporais em questão. Ao rejeitar a hipótese nula de que as séries temporais continham raízes unitárias, o autor indicou que a política fiscal respeitava a restrição orçamentária intertemporal. Isso sugere que, apesar da presença de déficits fiscais e do crescimento do endividamento ao longo do período analisado, não havia evidências estatísticas de que a política fiscal do estado fosse insustentável.
Ao estender a análise por mais dez anos às séries de dados acima (1970–07), Marques Júnior e Oliveira (2011) chegam a resultados que divergem dos obtidos por Marques Junior (2005), encontrando a presença de raiz unitária nas mesmas, mas agora com níveis de significância de 1% e 5%. Neste trabalho, o conceito de resultado primário é definido como receita tributária estadual menos despesa primária, uma proxy bem diferente da usualmente utilizada em finanças estaduais após a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Os autores sugerem fortemente que houve uma mudança estrutural nas séries, o que comprometeu a robustez dos testes de raiz unitária e minou sua eficácia como ferramenta para avaliar a política fiscal.
Embora o artigo de 2005 tenha sido revisado para considerar a presença de raiz unitária nas séries temporais, é crucial destacar a trajetória explosiva do endividamento observado no período 1970–98. Caso persistisse tal tendência e não ocorresse o refinanciamento proposto pela Lei 9.497/97 em 1998, as finanças estaduais poderiam ter enfrentado uma situação fiscal insustentável. Portanto, essa constatação ilustra como a análise econométrica se depara com as limitações impostas pela realidade.
Também é importante notar que os dados relativos aos montantes dos resultados primários poderiam ser atualizados para refletir informações contábeis mais recentes divulgadas pela Secretaria Estadual da Fazenda, que podem não ter sido prontamente disponíveis na época em que os estudos foram realizados.
A utilização de séries temporais mais atualizadas, como aquelas disponíveis no Relatório da Dívida Pública de 2022, também podem fornecer informações mais robustas sobre os dados históricos da dívida da Administração Direta desde 1970. Este último é um conceito mais amplo do que a mobiliária utilizada. Portanto, uma revisão dos dados e uma análise atualizada podem fornecer informações mais precisas sobre o comportamento da série temporal.
Em outro estudo, Marques Júnior e Jacinto (2006) adotam as premissas apresentadas no influente artigo de Hamilton e Flavin. Eles propõem a utilização de um teste de cointegração para investigar o setor público estadual, abrangendo os períodos de 1970 a 1997 e de 1970 a 2007. As variáveis selecionadas para compor a investigação são as receitas tributárias e as despesas totais, expressas como percentagem do PIB estadual.
Após conduzirem os testes de raiz unitária, tanto com quanto sem quebra estrutural, os autores tornaram as séries temporais estacionárias por meio da aplicação da primeira diferença. Os resultados dos testes sugeriram que a restrição orçamentária não foi violada, o que significa que a política fiscal adotada foi considerada sustentável.
Em outras palavras, os testes indicaram que não havia evidências estatísticas de que as receitas tributárias não eram suficientes para financiar as despesas totais do setor público estadual no longo prazo. Vale ressaltar que Marques Júnior e Oliveira (2011) corroboram os mesmos resultados do teste encontrados no artigo de 2006.
Análises econométricas e financeiras
Como observamos, a análise econométrica desempenha um papel indicativo ao testar a possibilidade de equilíbrio de longo prazo entre as variáveis econômicas e fornece informações adicionais para a tomada de decisões. No entanto, é importante reconhecer que essas análises se baseiam em séries temporais passadas e podem não capturar totalmente os desafios futuros relacionados ao endividamento público. Um exemplo disso é o acordo de refinanciamento de 1998, que estabilizou a tendência explosiva da dívida, mas, devido à sua estrutura, deixou sua trajetória temporal estacionada em um patamar elevado da relação DCL/RCL, na proporção de 2 para 1 durante um período significativo.
As projeções do endividamento público demandam uma análise financeira minuciosa, frequentemente integrada nas tabelas de amortização de cada contrato ou parcelamento assumido pelo governo. A consolidação dessas tabelas oferece uma visão mais precisa do plano de amortização dos passivos governamentais, com estimativas do serviço da dívida e da relação dívida/receita ao longo do tempo. Além disso, fornece informações complementares para projeções em simulações do orçamento fiscal e do Plano Plurianual.
Esse plano de amortização proporciona uma visão consolidada e realista dos saldos devedores dos contratos e parcelamentos existentes, oferecendo uma diretriz clara da dinâmica do endividamento em relação à capacidade de geração de resultados fiscais. Essas projeções são amplamente utilizadas pelos departamentos de gestão da dívida do setor público para orientar o fluxo de caixa do Tesouro e orçamento fiscal.
É importante estabelecer uma comunicação eficaz entre a academia e esses departamentos para garantir que as conclusões econométricas sejam confrontadas com estimativas dos orçamentos fiscais e o cronograma de amortização da dívida. Isso requer transparência nas informações, diretrizes claras de divulgação e um entendimento sólido sobre contratos financeiros por parte dos pesquisadores acadêmicos.
A integração entre informações detalhadas sobre a trajetória da dívida pública e as conclusões derivadas dos modelos econométricos pode contribuir significativamente para estabelecer uma base mais robusta para a avaliação dos entes públicos e na tomada de decisões governamentais.
Nesse contexto, as conclusões dos estudos econométricos acima mencionados, que adotam uma abordagem estocástica ou determinista, contrastam com os cálculos financeiros apresentados em outros trabalhos, como Marquetti e Nova (2009), Braatz, Martinez e Petry (2017) e Calazans (2022), em relação à natureza política fiscal de longo prazo do RS. Essa divergência destaca a complexidade e a diversidade de perspectivas no estudo do endividamento público.
Aqui cabe duas considerações importantes. Primeiramente, os estudos econométricos baseiam-se na análise de séries temporais e dados históricos, resultando em conclusões mais probabilísticas, enquanto as abordagens financeiras se concentram em modelos conceituais e em projeções do cronograma de amortização, oferecendo previsões mais diretas sobre a trajetória futura do endividamento.
Atualmente, as estimativas do orçamento fiscal podem incorporar modelos econométricos para agregados de receitas e despesas primárias, embora ainda considerem o cronograma das obrigações financeiras. Essa abordagem mais gerencial, embora distinta do modelo estocástico, proporciona uma avaliação financeira bem realista, contribuindo para uma compreensão mais abrangente dos desafios enfrentados pelos governos na gestão de suas finanças públicas.
Os erros de avaliação das contas públicas acontecem quando os formuladores de política fiscal superestimam as receitas futuras, o que leva a resultados primários inconsistentes, como foi observado no caso da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
Em segundo lugar, as conclusões extraídas de estudos econométricos devem necessariamente considerar uma gama diversificada de outros elementos que exercem influência sobre a dinâmica da dívida pública de um governo. Entre esses fatores, é crucial destacar a capacidade de pagamento do governo, a qual tem um impacto direto sobre o orçamento fiscal; e a estrutura da dívida, que engloba uma série de componentes, como prazos de vencimento, taxas de juros e exposição cambial, além de cláusulas de refinanciamento e pagamento antecipado. Estes aspectos financeiros são de vital importância e não podem ser plenamente compreendidos apenas através da análise de estacionariedade e cointegração de séries temporais.
Por exemplo, no contexto específico dos governos de Britto e Tarso Genro, a capacidade de pagamento do governo estadual enfrentou desafios significativos devido à implementação de políticas expansionistas. Durante o governo de Britto, uma política salarial ambiciosa foi patrocinada, sobrecarregando as finanças estaduais, especialmente em um momento de estabilização de preços proporcionada pelo Plano Real. Para tentar manter as contas em dia e enfrentar as crescentes despesas, o governo recorreu à privatização de empresas estatais como uma medida para gerar receita adicional e aliviar a pressão sobre o orçamento público.
Posteriormente, o governo de Tarso Genro aumentou os gastos com pessoal e utilizou recursos do Caixa Único do estado, impactando severamente o ajuste fiscal e resultando em uma enorme fragilidade financeira verificada na administração seguinte. Isso se refletiu em medidas como o parcelamento salarial e a incapacidade de cumprir com parcelas da dívida junto à União.
No caso do Rio Grande do Sul, ao considerar o artigo como um todo, uma série de questões foi levantada, colocando em dúvida se os resultados primários serão suficientes para liquidar todas as obrigações financeiras existentes. Isso sugere que, na ausência de resultados primários adequados, é difícil visualizar a sustentabilidade fiscal de longo prazo, a menos que se assuma que a duração da dívida seja infinita e que os custos sociais do ajuste sejam insignificantes.
Independentemente da modelagem utilizada, seja estocástica ou não, é essencial incorporar na análise da dívida pública os conceitos do mercado financeiro, como duração, valor de face e valor presente líquido (VPL). O endividamento decorrente da Lei 9.497/97 possui uma duração de 54 anos (1998–52), sugerindo um cenário de “rolagem contínua” dessa obrigação. Em termos teóricos, se o estado não conseguir amortizar dentro desse novo prazo, sua duração efetiva poderia ser considerada “infinita”.
Por fim, este artigo ainda destaca a importância de considerar não apenas os resultados dos cálculos financeiros, mas também os impactos sociais das políticas de ajuste fiscal.
A seguir, apresentam-se alguns exercícios econométricos relacionados à dívida e ao resultado primário, utilizando dados oficiais do Tesouro Estadual. Foram analisadas as diferenciações das séries temporais, as funções de autocorrelação, os testes de estacionaridade e cointegração das variáveis pertinentes. Com dados atualizados para o período de 1970 a 2022, confirmou-se a presença de raízes unitárias nas séries e identificou-se uma relação de cointegração entre as variáveis em questão.
Determinar o número de diferenciações necessárias para tornar as séries temporais estacionárias
ndiffs(Debt_70)
## [1] 1
ndiffs(Debt_95)
## [1] 1
ndiffs(Prim_70)
## [1] 1
ndiffs(Prim_95)
## [1] 1
Funções de autocorrelações
Testes de estacionariedade dívida/PIB do RS em nível
## statistic 1pct 5pct 10pct
## tau3 -1.780846 -4.04 -3.45 -3.15
## phi2 1.565899 6.50 4.88 4.16
## phi3 2.107549 8.73 6.49 5.47
Tau3 (Estatística de Teste): -1.780846 Valores críticos a 1%, 5% e 10%: -4.04, -3.45, -3.15 Esta estatística está à direita dos valores críticos -4.04, -3.45 e -3.15 para 1%, 5% e 10%, respectivamente. Portanto, não temos evidências suficientes para rejeitar a hipótese nula ao nível de significância (1%,5%,10%). Há raízes unitárias.
Testes de estacionariedade resultado primário/PIB do RS em
nível
## statistic 1pct 5pct 10pct
## tau3 -3.174437 -4.04 -3.45 -3.15
## phi2 3.458118 6.50 4.88 4.16
## phi3 5.174302 8.73 6.49 5.47
Tau3 (Estatística de Teste): -3.174437 Valores críticos a 1%, 5% e 10%: -4.04, -3.45, -3.15 Esta estatística está à direita dos valores críticos -4.04, -3.45 e -3.15 para 1%, 5% e 10%, respectivamente. Portanto, não temos evidências suficientes para rejeitar a hipótese nula ao nível de significância (1%,5%,10%). Há raízes unitárias.
Teste de cointegração entre a dívida e o resultado primário
##
## ######################
## # Johansen-Procedure #
## ######################
##
## Test type: maximal eigenvalue statistic (lambda max) , with linear trend in cointegration
##
## Eigenvalues (lambda):
## [1] 5.795194e-01 1.978856e-01 4.440892e-16
##
## Values of teststatistic and critical values of test:
##
## test 10pct 5pct 1pct
## r <= 1 | 9.04 10.49 12.25 16.26
## r = 0 | 35.52 16.85 18.96 23.65
##
## Eigenvectors, normalised to first column:
## (These are the cointegration relations)
##
## Debt_70.l1 Prim_70.l1 trend.l1
## Debt_70.l1 1.000000 1.000000 1.0000000
## Prim_70.l1 26.592799 6.462864 4.8102986
## trend.l1 -1.386681 -0.219122 -0.6931656
##
## Weights W:
## (This is the loading matrix)
##
## Debt_70.l1 Prim_70.l1 trend.l1
## Debt_70.d 0.03883639 -0.313377771 6.194326e-16
## Prim_70.d -0.05133812 0.002675075 3.532065e-15
Para r=0 o valor do teste é maior que todos os valores críticos, não podendo rejeitar a hipótese nula de que não nenhuma relação de cointegração.
Para r<=1, o valor do teste (9,04) é menor que os valores críticos, não podemos rejeitar a hipótese nula de que há pelo menos uma relação de cointegração.
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Disponível em: https://financasrs.com.br/2022/07/01/como-gerar-uma-divida-impagavel-o-caso-gaucho/
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