FINANÇAS DO RS: Para Além do Convencional – Parte 2

 

 

A compreensão da origem e evolução histórica da dívida do Estado do Rio Grande do Sul, assim como seus determinantes, foi amplamente abordada em textos premiados pelo Tesouro Nacional. Destacam-se obras como Calazans e Santos (2001), Calazans, Brunet e Marques Júnior (2000), e Santos e Santos (2005), as quais oferecem uma análise profunda sobre o tema. Além disso, contribuições significativas foram encontradas nos trabalhos de Moura Neto (1994), Marques Júnior (2005 e 2011), Marquetti e Nova (2009), Santos (2014), Caldas et al. (2015), e Ferrari Filho e Piccolotto (2018). Os capítulos 5 e 6 do livro de Calazans e Santos (2021) trazem uma análise mais contemporânea e abrangente sobre o tema.

Moura Neto (1994) oferece uma análise abrangente da evolução do endividamento estadual ao longo da década de 80, destacando o aumento significativo a partir de 1981 e 1982. O impacto da política monetária contracionista do governo central, é enfatizado como um dos principais impulsionadores desse crescimento do passivo estadual. Além disso, destaca-se que a flexibilização dos limites de endividamento dos governos subnacionais, possibilitada por resoluções do Senado Federal, também desempenhou um papel significativo nesse processo de expansão.

O trabalho de Calazans e Santos (2001) apresenta uma abordagem distinta ao realizar a periodização da evolução da dívida estadual por governo, ampliando a análise desde 1970 até o Acordo de Renegociação de 1998. Um trabalho originado da Divisão da Dívida Pública Estadual, da Secretaria da Fazenda do Estado, forneceu a fonte primária dos valores nominais sobre a evolução do endividamento. O texto foi estruturado a partir dos novos conceitos de Resultado Primário e Receita Líquida Real à luz dos entendimentos entre o Tesouros Estadual e Nacional.

Os autores destacaram que, a partir de 1991, o estado não emitiu nova dívida mobiliária, limitando-se à substituição de títulos vencidos, o que afetou negativamente a situação patrimonial do Banrisul e da Caixa Econômica Estadual. Com a implementação do Plano Real em 1994, a política monetária agravou o problema do endividamento subnacional, reduzindo significativamente os recursos disponíveis para financiar títulos estaduais e dificultando a rolagem desses papéis. A Resolução n.º 11/94 do Senado Federal possibilitou a rolagem integral da dívida mobiliária, interpretando amplamente o termo “principal devidamente atualizado”, o que contribuiu para o crescimento significativo da dívida desde o Plano Real.

A combinação da rolagem integral da dívida mobiliária e o aumento da taxa over explicam a sua rápida expansão e a necessidade de uma renegociação abrangente, como a estabelecida pela Medida Provisória n.º 1.560 de 1996, que criou o Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal dos Estados. Este último foi a base para os acordos de refinanciamento dos entes subnacionais em 1998. Também foi demonstrado neste trabalho que, até 1994, a relação entre a dívida e a Receita Corrente Líquida (RCL) era de 1:1, mas ao final de 1998, essa proporção aumentou para 2:1, como resultado da política de elevação da taxa Selic.

O artigo destaca que a expansão do endividamento estadual é explicada por três fatores interligados, porém, não fornece uma ponderação precisa entre esses elementos. Esses fatores abrangem resultados primários e orçamentários persistentemente negativos, a flexibilização dos controles de endividamento dos governos subnacionais e a política monetária de juros elevados observados nas décadas de 80 e 90.

Em uma nova análise, ao destacar a acumulação dos déficits crônicos entre os anos de 1970 e 1998, Santos (2014, p.51) expõe sua preocupação com a ausência de responsabilidade fiscal por parte dos gestores públicos. Ele ressalta a ligação direta entre essa falta de responsabilidade de governos expansionistas do gasto público e a geração do endividamento no contexto específico do estado gaúcho.

Durante esse extenso período, a dívida estadual registrou um notável aumento, multiplicando-se por 27,4 vezes, passando de 100 para 2.736,2 em termos reais. Essa escalada equivale a uma taxa anual de 12,5%. A ênfase dada à falta de disciplina fiscal como fator preponderante destaca uma perspectiva divergente daquela apresentada por Calazans e Santos (2001) e Santos, G.C (1999). A base teórica subjacente a essa convicção reside na analogia entre os fluxos de receita e despesa no orçamento público e a dinâmica de uma economia familiar, especialmente quando há restrições à elevação de impostos. Nessa abordagem, a redução de gastos é frequentemente considerada a solução mais racional.

Todavia, ao reexaminar os fatores determinantes da expansão do endividamento, é crucial reconhecer a complexa interconexão entre diversas variáveis. Isso inclui as decisões de política monetária, a estrutura financeira dos refinanciamentos, bem como a flexibilização dos limites de endividamento. Esses elementos desempenham papéis igualmente significativos, senão superiores, em relação à falta de parcimônia por parte dos governos. Tais elementos podem exercer uma influência significativa na capacidade dos entes subnacionais de gerir suas finanças de maneira sustentável e eficiente. Uma compreensão abrangente desses fatores é essencial para a formulação de estratégias fiscais mais equilibradas e eficazes.

O gráfico abaixo ilustra as trajetórias comparadas da dívida da Administração Direta e do resultado primário desde 1970. Durante o período de 1990 a 1993, a dívida registrou um aumento significativo, elevando-se de 15,5% para 28,3% do PIB. Com a implementação do Plano Real em 1994, esse índice declinou para 14,1%, resultado do refinanciamento estabelecido pela Lei nº 8.727/93, o que modificou sua tendência explosiva. No entanto, voltou a crescer até 1998, devido à política monetária do Banco Central e à subsequente crise de rolagem das dívidas subnacionais. Entre os anos de 1999 e 2002, marcados por essas desvalorizações, houve um aumento constante na proporção da dívida em relação ao PIB. Em 1999, essa proporção foi de 20,9%, subindo para 21,2% em 2000, 21,5% em 2001 e alcançando 24,89% em 2002. Durante os seis anos seguintes, a dívida manteve-se em um patamar estável de 21% do PIB entre 2003 e 2008. Após um período de 14 anos, houve uma média de declínio para 16,0% em 2022.

Nesse contexto, é importante resgatar outras abordagens teóricas que corroboram as ponderações anteriormente levantadas. Calazans (2008) já alertava para o impacto significativo da atualização monetária pelo IGP-DI e da capitalização de juros não-pagos no aumento da dívida estadual no período de 1998 a 2007. Ele também ressaltou a possibilidade de redução das variações da dívida através da substituição do indexador do contrato estabelecido pela Lei n.º 9496/97 pelo IPCA/IBGE, especialmente se aplicada retroativamente ao ano de 1998. A modificação no equilíbrio econômico-financeiro do contrato da Lei 9496/97 resultou em uma lógica perversa que sobrecarrega de maneira significativa o devedor.

Marquetti e Nova (2009) direcionaram sua atenção para a restrição orçamentária intertemporal do governo, realizando simulações sobre a evolução da dívida do RS no período de 2007 a 2014. Suas análises não apontaram para um cenário particularmente otimista em relação às finanças estaduais. De acordo com eles, a opção por uma política fiscal restritiva não seria a solução mais apropriada para resolver a crise nas finanças estaduais, destacando que essa escolha dependeria da situação macroeconômica do país.

Os autores ressaltaram a importância da taxa de crescimento do PIB como uma variável crucial para o modelo teórico, considerando os desequilíbrios de fluxo entre receitas e despesas no orçamento estadual. Essa abordagem acrescenta uma perspectiva valiosa ao debate, destacando a necessidade de considerar a conjuntura macroeconômica ao formular estratégias para lidar com os desafios financeiros estaduais.

Caldas et al. (2015) identificaram a existência de um desequilíbrio econômico-financeiro nos termos do contrato. Os autores destacaram que esse desequilíbrio tem suas raízes em dois motivos fundamentais. Em primeiro lugar, enfatizaram que o intervalo de valores dos parâmetros relevantes, essenciais para garantir uma dinâmica sustentável da dívida, era excessivamente restrito. Caso a taxa de juros, a relação entre dívida e receita líquida, o crescimento real da RLR e o limite de 13% da RLR se desviassem dos limites predefinidos (6%, 2,0, 3% e 13%, respectivamente), isso resultaria em um risco significativo de comprometimento do equilíbrio contratual. Em segundo lugar, apontaram que o indexador utilizado para a correção do saldo devedor (IGP-DI) se mostrou inadequado devido ao risco cambial imposto aos devedores.

Além disso, os autores salientaram que a adoção desse indexador gera um descompasso entre as evoluções das receitas de ICMS e da dívida fundada, contribuindo para o desequilíbrio econômico-financeiro identificado no contrato. Essas análises ressaltam a importância de considerar a sensibilidade dos parâmetros e a escolha adequada dos indexadores na formulação de contratos financeiros, visando evitar desequilíbrios que possam impactar adversamente as condições econômicas das partes envolvidas.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Ferrari Filho e Piccolotto (2018), ao adotarem a hipótese de fragilidade financeira (HFF) de Minsky, concluíram que a estrutura da dívida renegociada predominantemente exibiu um comportamento Ponzi entre novembro de 1998 e agosto de 2003. Eles associaram essa dinâmica ao indexador da dívida (IGP-DI), que refletiu os efeitos das desvalorizações cambiais, a mudança no regime em janeiro de 1999 e o cenário de eleição de Lula da Silva em 2002. Nessa perspectiva, Ferrari Filho e Piccolotto sugeriram que tanto a estrutura da dívida quanto os eventos macroeconômicos desempenharam papéis significativos na trajetória do endividamento estadual.

No quinto capítulo do livro de Calazans e Santos (2021), Calazans concentra sua análise nos termos contratuais, dando destaque a elementos como a taxa real de juros, a maturidade da dívida e o sistema de amortização. O autor direciona sua atenção não apenas à sua estrutura atual, mas também para suas projeções em decorrência da adesão ao RRF, comparando-as com os resultados fiscais alcançados. Essa abordagem enfatiza a importância de realizar uma análise minuciosa desses elementos para uma compreensão mais aprofundada do conceito teórico de sustentabilidade fiscal.

Em primeiro lugar, os juros fixados e a fórmula de indexação demonstraram-se inadequados desde a assinatura dos contratos com base na Lei 9.496/97, em 1998. Inicialmente, os encargos financeiros nos contratos de refinanciamento consistiam em: (i) atualização monetária pela variação do IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas; e (ii) taxa de juros nominal de 6% ao ano, ambos calculados sobre o saldo devedor existente. Além disso, estabeleceu-se que o comprometimento para o pagamento das obrigações relativas ao serviço da dívida não ultrapassaria o percentual de 13% da Receita Líquida Real. Assim, era possível abater parcelas referentes a refinanciamentos anteriores, conforme estipulado pelas Leis n.º 7.976/1989 e Lei n.º 8.727/1993. A conta chamada de Resíduo foi utilizada para acumular o saldo de parcelas não pagas devido ao limite de 13% da RLR. Essa sistemática adotada acabou penalizando os estados com refinanciamentos anteriores, como foi o caso do Rio Grande do Sul, contribuindo para a expansão da conta residual e retardando a diminuição esperada da relação DCL/RCL. A política monetária, representada pela Selic, não teve um impacto direto sobre a dívida subnacional, dado que os juros fixados eram capitalizados a uma taxa efetiva de 6,17% ao ano. É relevante observar que essa taxa efetiva pode ser considerada elevada, uma vez que ultrapassava o crescimento real da receita líquida dos entes subnacionais. Tanto Caldas et al. (2015) quanto Ferrari Filho e Piccolotto (2018) corroboram essa afirmação de que o IGP-DI teve uma influência na expansão do endividamento do RS. Em outras palavras, a dinâmica do mercado cambial indiretamente impactou substancialmente a sua trajetória.

Em 2014, diante da fragilidade financeira dos entes subnacionais, a União, em um esforço para remediar a situação, reduziu o juro nominal para 4% e alterou a regra de indexação para a variação da Selic e do IPCA. Essa mudança foi bem recebida e resultou em uma redução do saldo devedor dos contratos sob a égide da Lei n.º 9.496/97.

Em segundo lugar, a inclusão da taxa de juros básica (Selic) na fórmula de indexação dos contratos refinanciados também se revelou inadequada, já que limitou a flexibilidade para a execução da política fiscal dos governos locais. Um exemplo concreto ocorreu em 2023, quando a dívida aumentou de R$ 82,5 bilhões em dezembro de 2022 para R$ 92,9 bilhões em 2023, representando um acréscimo de R$ 10,4 bilhões. A Secretaria Estadual da Fazenda atribuiu esse aumento à taxa Selic de dois dígitos.

Em terceiro lugar, a expansão real das dívidas subnacionais durante o período de implementação do Plano Real é, mais uma vez, atribuída à influência dos juros reais praticados pelo Banco Central na época. Essa influência impulsionou o aumento do saldo devedor das dívidas refinanciadas, embora tenha proporcionado a redução dos custos de carregamento em comparação com as elevadas taxas de juros praticadas na fase anterior à estabilização dos preços em 1994.

É crucial destacar que, no período entre 1994 e 1998, a taxa Selic atingiu 128,51% em termos reais (medida pelo IGP-DI) ou 118,51% (pelo IPCA), resultando na duplicação do montante da dívida consolidada do estado. Essas oscilações foram estabilizadas após a assinatura do acordo da dívida em 1998, marcando o início de uma trajetória não explosiva.

De maneira mais técnica, os gráficos abaixo demonstram que o acordo da dívida do RS interrompeu sua tendência ascendente, tornando sua trajetória não explosiva e estabilizando a relação DCL/RCL em um patamar elevado (2 para 1). Isso exigiu os sacrifícios impostos pela política fiscal de contenção.

Em quarto lugar, o RS viu sua capacidade de endividamento restrita até 2014, uma vez que havia ultrapassado seus limites para contratação de novas operações de crédito. Em contrapartida, os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro conseguiram amortizar suas dívidas refinanciadas, mas optaram por contrair novas operações de crédito. Essa disparidade reflete diferentes estratégias adotadas pelos estados em relação ao gerenciamento de suas obrigações financeiras. Em quinto lugar, é crucial destacar que a União se beneficia do endividamento dos governos subnacionais, uma vez que mantém os encargos sobre as dívidas refinanciadas próximos à taxa de captação de seus próprios títulos públicos no mercado. Sendo credora desses ativos financeiros, a capacidade da União de cobrir os custos de captação dos títulos emitidos no mercado depende da entrada de receitas. As receitas provenientes dos entes subnacionais desempenham um papel vital como fonte de recursos orçamentários, contribuindo para a redução da necessidade de rolagem da dívida mobiliária da União.

Qualquer risco associado ao resgate de governos insolventes teria implicações significativas, levando ao afastamento de investidores privados e à perda de credibilidade no mercado primário em relação à colocação dos títulos federais. Isso ressalta a importância da estabilidade financeira dos governos subnacionais para a União, não apenas como credora, mas também para manter a confiança e atratividade dos títulos emitidos no mercado, garantindo assim condições favoráveis de captação.

Em sexto lugar, na busca por soluções, a opção pelo Regime de Recuperação Fiscal emerge como um elemento crucial no panorama financeiro. Ao aderir a esse regime em dezembro de 2022, ocorreu a substituição de uma dívida refinanciada (Lei n.º 9496/97) no montante de R$ 74,0 bilhões por um novo refinanciamento com um custo de R$ 168 bilhões. Esse movimento, como destacado por Calazans (2021 e 2022), apresenta-se como um exemplo emblemático de acumulação de dívida, apontando para um horizonte financeiro pouco promissor para o estado.

É fundamental destacar as bases em que foi firmado o referido regime. A partir de 2015, a situação financeira do estado tornou-se extremamente frágil, culminando no ponto em que foi necessário recorrer a decisões liminares junto ao Supremo Tribunal Federal para suspender os pagamentos da dívida com a União entre julho de 2017 e fevereiro de 2022. Conforme estabelecido no Artigo 23 da Lei Complementar 178, de 13 de janeiro de 2021, a União estava obrigada a firmar um novo contrato com prazo de 360 meses para refinanciar os valores inadimplidos resultantes de decisões judiciais em ações movidas pelo ente subnacional. O saldo acumulado atingiu R$ 17 bilhões, sujeito à data de atualização.

No que diz respeito ao principal da Lei 9.496/97, no valor de R$ 57 bilhões, foi implementada uma redução extraordinária das prestações, com pagamentos escalonados anualmente em 11,11% em 2023; 22,22% em 2024; e assim sucessivamente até atingir 88,89% em dezembro de 2030. As parcelas tornam-se integrais a partir de janeiro de 2031. A base legal para esse escalonamento foi o artigo 9-A da Lei Complementar 159, de 19 de maio de 2017, que instituiu o RRF.

Os valores não pagos das parcelas mensais foram agregados aos saldos existentes conforme o Artigo 23 da Lei Complementar 178. Além desse contrato mencionado, o governo consolidou o fluxo de pagamento do serviço de outros passivos contratuais (externos e internos) junto ao Banco Mundial, Banco Interamericano e BNDES dentro do regime até 2030. Novamente, recorreu-se à velha estratégia de uma conta acumuladora de parcelas não pagas.

Somando todas as operações previstas, o valor de face da operação totalizou R$ 74 bilhões em fevereiro de 2022. Por definição, uma reestruturação de dívidas é um processo que busca reduzir o montante total, diminuir ou suspender a taxa de juros suportada e postergar o prazo de pagamento. No caso do RS, o alongamento da dívida alcançou 227% do valor atual, segundo cálculos iniciais (168 bi / 74 bi). Na prática, ficou-se vinculado ao contrato assinado pelo então Governador Britto por um período de 54 anos (1998-2052). A relação entre o valor projetado e o valor presente, indicador relevante para a reestruturação de dívidas, foi desconsiderado.

Diante das questões tipicamente financeiras acima mencionadas, é frequente no discurso oficial a confiança na capacidade de alcançar economias primárias por meio de reformas estruturais. Essas medidas teriam o potencial de gradualmente reduzir a relação entre DCL/RCL. No entanto, o principal desafio dessa abordagem gradualista reside na tendência de concentrar, principalmente, os esforços de ajuste nas despesas. Isso se baseia em três suposições de natureza tecnocrática: (i) a necessidade de uma contenção contínua dos gastos obrigatórios; (ii) a convicção de que o crescimento real da receita líquida será capaz de superar o das despesas primárias; e (iii) o desenvolvimento virtuoso do PIB estadual.

O único problema dessas suposições é que elas não foram validadas pela história financeira do estado. Pelo contrário, os ciclos de restrição e expansão do gasto público revelaram-se influenciados por considerações políticas, como evidenciado nas administrações de Antônio Britto e Tarso Genro. Além disso, o principal indicador do programa de ajuste fiscal (relação DCL/RCL) continua ao redor de 200% ou decaindo lentamente em mais de duas décadas.

No intervalo de 1970 a 2022, observou-se a ocorrência de superávits primários em apenas dois períodos: entre 2005 e 2013 (média de 0,53% do PIB) e entre 2018 e 2022 (0,39% do PIB). Nesse cenário, é que o estado enfrentou desafios na geração de poupança primária, caracterizando uma trajetória marcada por uma capacidade limitada nesse aspecto. Os resultados positivos registrados de 2018 a 2021 foram impulsionados pela elevação das alíquotas de ICMS. Vale ressaltar que o ápice da série histórica foi atingido em 2007, alcançando 1,1% do PIB.

Em última análise, é importante reiterar o conceito teórico de sustentabilidade fiscal, que postula que o saldo atual da dívida pública deve equivaler ao valor presente dos resultados primários futuros, considerada uma dada taxa de desconto preestabelecida. Este princípio é amplamente reconhecido na disciplina de economia do setor público, como evidenciado nos artigos de Rocha (2005) e Costa (2009).

No âmbito da sustentabilidade fiscal, é imperativo abordar o equilíbrio entre o saldo da dívida pública e o valor presente dos resultados primários futuros. Portanto, a divulgação minuciosa desses cálculos torna-se essencial para uma análise mais aprofundada da situação financeira específica do RS. Dada a histórica dificuldade na geração de resultados primários positivos no estado, essa transparência permitiria uma avaliação criteriosa dos parâmetros econômicos utilizados, assegurando sua aderência à realidade das finanças estaduais.

Destaco, por último, que ao longo de décadas, os fundamentos essenciais para atingir o equilíbrio nas contas estaduais foram gradualmente minados devido às deficiências na execução da política fiscal, mencionadas anteriormente, e à confiança inflexível na adoção de uma agenda de reformas a qualquer custo. Apesar da implementação da agenda de reformas, da privatização de estatais e da adoção do Regime de Recuperação Fiscal, as contas estaduais enfrentam desafios, sem demonstrar progressos significativos em comparação com outras unidades da Federação.

Em 2023, o resultado orçamentário ajustado, excluindo-se os efeitos da privatização da Corsan e da compensação da União, registrou um significativo déficit de R$ -7,2 bilhões (Zero Hora, 01/01/2024). Neste contexto, fica questionável a presença do tão almejado equilíbrio fiscal sustentável após a implementação do RRF.

Referências Bibliográficas

CALDAS, B. B.; STEIN, G.; COLOMBO, J. A.; BARTELS, M.; SULZBACH, V. N. Relatório de Análise da Dívida Pública do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: FEE, 2015. Disponível em: https://arquivofee.rs.gov.br/wp-content/uploads/2016/05/20160512relatorio-de-analise-da-divida-publica-do-rs-isbn-978-85-7173-138-7.pdf.
Acesso em: 31 jan. 2024.

CALAZANS, Roberto Balau; SANTOS, Darcy F.C. (2001). A Crise da Dívida Pública do RS: fundamentos, evolução e perspectivas – 1970-98. Finanças Públicas: V Prêmio Tesouro Nacional. Brasília, ESAF. Monografia n.º 5.

CALAZANS, Roberto Balau. Os Desacertos da Política Fiscal Gaúcha, 1999-2002. Porto Alegre, 2006.

CALAZANS, Roberto Balau. (2008). Novas Medidas do Déficit Público Estadual e os Determinantes do Crescimento da Dívida do RS – 1998-2007. Indicadores Econômicos FEE. Porto Alegre, Fundação de Economia e Estatística, Vol. 36, n.º 3, p. 167-190.

CALAZANS, Roberto Balau. (2022). A Política Fiscal Gaúcha será Sustentável após as Reformas do Governo Leite? Disponível em: https://financasrs.com.br/2022/03/29/politica-fiscal-do-rs-na-gestao-leite-ajuste-sustentavel/

CALAZANS, Roberto Balau; SANTOS, Darcy F.C. (2001). A crise da dívida pública do RS: fundamentos, evolução e perspectivas – 1970-98. Finanças Públicas: V Prêmio Tesouro Nacional. Brasília, ESAF. Monografia n.º5.

CALAZANS, Roberto Balau; SANTOS, Darcy F. C. (2021). Dívida Pública e Previdência Social: Introdução teórica e as Estatísticas Fiscais doBrasil e do RS. Disponível em: https://www.amazon.com.br/D%C3%ADvida-P%C3%BAblica-Previd%C3%AAncia-Social-Estat%C3%ADsticas-ebook/dp/B08Z35V3RR/ref=sr_1_6?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&dchild=1&keywords=calazans&qid=1616001658&sr=8-6

CALAZANS, Roberto Balau. (2022). Como Gerar uma Dívida Impagável. Disponível em: https://financasrs.com.br/2022/07/01/como-gerar-uma-divida-impagavel-o-caso-gaucho/

COSTA, Carlos Eugênio Ellery Lustosa. Sustentabilidade da Dívida Pública. Dívida Pública: A Experiência Brasileira. Secretaria do TesouroNacional. 2009. p.81-99.

FERRARI FILHO, Fernando e PICCOLOTTO, Volnei. (2018). A Dívida Pública do Rio Grande do Sul: uma Análise a Ótica da Hipótese de Fragilidade Financeira de Minsky. Análise Econômica, Porto Alegre, v.36,
n.71 p. 295-322, set.2018.

IANCHOVICHINA, Elena; LIU, Lili; NAGARAJAN, Mohan. (2006). Subnational Fiscal Sustainability Analysis. World Bank. Policy Research Working Paper, nº 3947. June 2006.

LEY, Eduardo. (2008). Fiscal (and External) Sustainability. World Bank. Mimeo (Version: April, 19).

MARQUES JÚNIOR, Liderau dos Santos. (2005). A Sustentabilidade da Política Fiscal do RS. Porto Alegre, Ensaio FEE, v.26, Número Especial, p.240-270. Disponível em: https://revistas.dee.spgg.rs.gov.br/index.php/ensaios/article/view/2083/2465

MARQUES JÚNIOR, Liderau dos Santos; JACINTO, Paulo Andrade. (2006). Uma Retomada da Discussão sobre a Sustentabilidade da Política Fiscal do Rio Grande do Sul. Nova Economia. Disponível em: https://www.scielo.br/j/neco/a/PvX3RXnF4g4svgVBGTTKNmy/?lang=pt

MARQUES JÚNIOR, Liderau dos Santos; OLIVEIRA, Cristiano Aguiar de. (2011). Dinâmica de Transição e Sustentabilidade da Política Fiscal no Rio Grande do Sul. Revista Economia.Setembro/Dezembro 2011.

MOURA NETO, Bolívar Tarragó. (1994). O endividamento publico do Rio Grande do Sul: suas origens e comportamento na década de 80. In: FARIA, Luiz Augusto Estrella (Coord.). O Estado do Rio Grande do Sul nos anos 80: subordinação, imprevidência e crise. Porto Alegre: FEE, 1994. p. 175-212.

PASTORE, Affonso Celso Pastore. (2015). Inflação e Crises: o Papel da Moeda. Elsevier Editora. Rio de Janeiro.

ROCHA, Fabiana. (2005). Déficit Público e a Sustentabilidade da Política Fiscal: Teoria e Aplicações. In: Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Campus. p.493-507.

SANTOS, Darcy F.C. dos Santos e outros. (2014). O Rio Grande tem Saída, p.75-113. Porto Alegre, Editora Age, 2014.

SANTOS, Darcy Francisco Carvalho dos e SANTOS, Carolina Brito Carvalho dos. (2005). Um Modelo Simples de Equilíbrio Orçamentário para os Estados: desenvolvido com base no estado do Rio Grande do Sul.

SANTOS, Gilton Carneiro. (1999). A Dívida dos Estados: composição, evolução e concentração. In: Finanças Públicas – III Prêmio de Monografia – Tesouro Nacional. Brasília, Secretaria do Tesouro Nacional.

WALSH, Carl E. (2010). Monetary Theory and Policy, Cap. 4. MIT press. 3rd ed. p. 135-194.

TESOURO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Relatório da Dívida Pública. 2022.

TESOURO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. (2017). Perspectivas para as Finanças Públicas do RS no período de 2019 a 2025. Textos para Discussão TE/RS. PETRY, Guilherme; BRAATZ, Jacó; e MARTINEZ, Paolo.


 

Autor

Facebook
LinkedIn
Telegram
WhatsApp
Email
plugins premium WordPress