Inflação fiscal ou controle monetário: os indicadores de Cochrane

No artigo “Inflation Fiscal” https://johnhcochrane.blogspot.com/2022/01/fiscal-inflation.html, Cochrane (2022) analisou, alguns indicadores da política fiscal e monetária dos Estados Unidos, focando-se no estoque monetário (M2), na dívida federal, nas reservas remuneradas no Banco Central americano (FED) e na inflação durante a pandemia da Covid-19 entre os trimestres de 2019/Q4 e 2021/Q3. Neste período, foram dados enormes estímulos fiscais e monetários para combater os efeitos resultantes dessa pandemia sobre a saúde pública e sobre a redução do emprego e da renda das famílias.

Com os dados do Federal Reserve https://fred.stlouisfed.org/, o autor observa que M2 cresceu US$ 5,6 trilhões entre os trimestres 2019/Q4 e 2021/Q3, demonstrando a flexibilização monetária, principalmente em 2020/Q2, com a expansão de US$ 5,5 trilhões em M2. Tal situação poderia ser associada à metáfora do helicóptero de Milton Friedman, segundo a qual, o dinheiro jogado dos céus por estímulos monetários levaria, por consequência, ao aumento continuado dos preços. No período em foco, o índice trimestral de inflação (CPI) saltou de 258,26 para 274,03 (6% ao ano).

No lado da dívida federal, o Tesouro emitiu US$ 5,1 trilhões em novas dívidas junto ao público e o FED adquiriu títulos federais no montante de US$ 3,3 trilhões, ficando US$ 2,4 trilhões em reservas remuneradas no FED. A dívida federal cresceu, nominalmente, 30%. O autor também observa que a expansão de US$ 5,1 trilhões da dívida federal, ou 30% sobre o estoque de 2019 (US$ 17,187 trilhões), pressuporia um plano de amortização que não gerasse novos aumentos da tributação, ou cortes de gastos públicos, ou nova elevação do teto da dívida. Caso, isso não fosse crível, ocorreria o ajuste da dívida nominal através da inflação.

Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se atualizar os mesmos indicadores trimestrais para duas novas datas de corte. A primeira é uma mera atualização dos dados expostos para o trimestre de 2022/Q1, já se notando uma redução gradual das reservas bancárias mantidas junto ao FED. Entre os trimestres 2019/Q4 e 2022/Q1, observou-se a queda de reservas bancárias mantidas na autoridade monetária e a continuidade da expansão do endividamento via títulos federais. Este último saltou de US$ 17,187 trilhões em 2019/Q4 para US$ 23,903 trilhões, isto é, um acréscimo significativo de US$ 6,7 trilhões. A inflação acumulada atingiu um patamar elevado de 11,2%. O incremento nominal de M2 alcançou US$ 6,4 trilhões. Desde 2008, M2 cresceu quase US$ 13,6 trilhões e a dívida federal junto ao público quase US$ 17,5 trilhões.

Na segunda data de corte, verificam-se alterações substanciais na condução da política monetária, destacando-se a elevação da taxa de juros e a contração monetária.A política de flexibilização monetária passou a ser questionada a partir da aceleração da inflação — 7,1% em 2021 e 6,5% em 2022 —, havendo a consequente elevação da taxa básica de juros (Fed Fund Rate) em março de 2022. Esta última saltou de 0,08% ao ano (fev./22) para 5,3% em 2023. Entre os trimestres de 2022/Q1 e de 2023/Q2, houve a redução da dívida federal mantida pelo FED (US$ 732 bilhões), bem como se aprofundou as reduções das reservas bancárias, a contração monetária (US$ 1 trilhão) e a elevação da taxa de juros. O resultado disso foi a redução da inflação medida pelo CPI, que caiu para 5,7%.

Dívida federal, reservas bancárias, M2 e Índice de inflação nos USA -2019-23 (US$ Billions)
Federal Debt Held by FEDFederal Debt Held by PublicReserves by FEDM2Inflation Index
2019 Q42,637.317,187.41,648.215,412.5258.6
2020 Q13,559.617,228.82,347.716,051.5258.1
2020 Q24,615.420,548.42,937.718,099.1257.0
2020 Q34,873.021,037.62,743.218,538.7260.0
2020 Q45,127.821,651.43,143.019,242.5262.0
2021 Q15,401.422,006.93,672.719,941.2264.9
2021 Q25,644.422,353.53,511.620,431.2270.6
2021 Q35,911.622,305.94,094.820,922.0274.0
2021 Q46,141.523,168.34,039.921,646.7280.9
2022 Q16,255.023,903.33,773.521,855.7287.5
2022 Q26,216.823,933.53,118.621,578.2294.7
2022 Q36,097.124,320.22,983.221,475.3296.5
2022 Q45,944.724,539.22,979.721,433.2299.0
2023 Q15,713.224,714.83,401.821,042.5301.8
2023 Q25,522.525,482.13,176.020,767.3303.8

A Tabela 2 apresenta as variações trimestrais dos indicadores expostos na Tabela acima.

Variações da dívida federal, reservas bancárias e M2 nos USA – 2019-23 (US$ Billions)
Federal Debt Held by FEDFederal Debt Held by PublicReserves by FEDM2
2020 Q1922.2341.39699.51639.0
2020 Q21,055.803,319.60589.912,047.6
2020 Q3257.62489.25-194.41439.6
2020 Q4254.86613.79399.72703.8
2021 Q1273.53355.45529.73698.7
2021 Q2242.99346.67-161.07490.0
2021 Q3267.25-47.65583.18490.8
2021 Q4229.90862.45-54.95724.7
2022 Q1113.47734.95-266.39209.0
2022 Q2-38.1630.20-654.86-277.5
2022 Q3-119.72386.72-135.40-102.9
2022 Q4-152.41219.04-3.47-42.1
2023 Q1-231.43175.58422.06-390.7
2023 Q2-190.77767.25-225.77-275.2

Para Cochrane, a explicação da ascensão da inflação é de natureza fiscal. Decorre do fato de que “a inflação vem quando a dívida do governo aumenta, em relação às expectativas das pessoas sobre o que o governo vai pagar”. Quando o FED ampliou sua carteira de títulos federais e a expansão monetária dela resultante levou a crer que haveria um aumento de tributação, ou que os resultados primários seriam insuficientes para honrá-la. Assim, as expectativas do mercado pressionaram o custo da dívida e a inflação futura. Por outro, não se pode deixar de reconhecer que a tardia elevação da taxa de juros, combinado ao controle monetário e a redução dos títulos em carteira no FED, ajudaram a debelar as expectativas e a reduzir a inflação americana.

 

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