As reflexões de Lara Resende e a elevação da taxa Selic

 

 

Entre 1994 e 1999, a estabilização dos preços se baseou na âncora cambial, que exigiu juros elevados para atrair capitais externos. Com o regime de metas de inflação, implantado a partir de 1999, a credibilidade para controlar as expectativas de mercado consolidou o uso da taxa de juros como principal ferramenta de controle inflacionário.

A partir de 1999, diversos governos, de orientações políticas distintas, mantiveram a política monetária com a Selic média nominal em torno de 16% ao ano (1995–2020). Esse cenário de juros elevados contrasta com as políticas dos principais bancos centrais do mundo, que adotaram a flexibilização monetária e reduziram suas taxas básicas após a crise financeira de 2008.

É paradoxal que a maior redução da taxa Selic no Brasil tenha ocorrido sob a gestão do Ministro Paulo Guedes, um adepto da Escola de Chicago. No entanto, é importante destacar dois pontos: primeiro, a queda da Selic começou em 2016, atingindo seu mínimo histórico em 2020; segundo, a taxa implícita da dívida pública de longo prazo permaneceu elevada, com os títulos de maior maturidade mantendo juros mais altos.

O mercado financeiro brasileiro reagiu à queda dos rendimentos reais na renda fixa, pressionando pela definição de uma nova taxa Selic, obviamente mais alta. A cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), surgem justificativas para novos aumentos, que elevaram a Selic de 2,75% para 3,5% ao ano.

Na teoria econômica, um excesso de demanda devido ao produto real estar acima do potencial tende a pressionar a inflação, o que pode levar o Banco Central a elevar os juros para conter a demanda e desacelerar o crescimento dos preços. A Curva de Phillips sugere uma relação inversa entre inflação e desemprego, com a inflação subindo quando o desemprego cai. Além disso, a teoria relaciona um hiato positivo do produto (produto real acima do potencial) à pressão inflacionária. No entanto, evidências empíricas recentes indicam que, apesar da inflação controlada, o desemprego permanece elevado, desafiando a interpretação tradicional da Curva de Phillips.

A abordagem neoclássica postula que o aumento da taxa real de juros impacta a demanda agregada no curto prazo. Com inflação em alta, a taxa de juros estaria abaixo da taxa natural, sendo que, no longo prazo, haveria neutralidade da política monetária.

Como argumenta Lara Resende (2021), faz pouco sentido elevar os juros em um cenário de desemprego elevado e capacidade ociosa, como o brasileiro. Dominância fiscal é o termo que descreve quando a política monetária perde eficácia porque as preocupações fiscais (como o elevado endividamento público) dominam as decisões econômicas. Se as expectativas do mercado estão infladas pelo receio de “dominância fiscal”, elevar a Selic apenas agrava o problema ao aumentar a despesa financeira do Tesouro Nacional, o que soa contraditório frente às evidências disponíveis.

Lara Resende, em livros e artigos publicados no Valor Econômico, tem criticado os fundamentos da macroeconomia ortodoxa, apontando que a teoria quantitativa da moeda foi superada. Ele argumenta que a flexibilização quantitativa adotada pelos bancos centrais das principais economias do mundo não resultou em alta inflação, como previsto pela teoria monetarista. Após a crise financeira de 2008, a expansão da base monetária não causou aceleração dos preços, e as taxas de juros básicas foram reduzidas, prevenindo deflação e recessão.

Esse autor também critica o uso excessivo de abstrações matemáticas nos modelos teóricos de equilíbrio geral, apontando que a hipótese das expectativas racionais é uma simplificação extrema da realidade. Como disse Joan Robinson, os modelos teóricos partem de suposições de equilíbrio que existem apenas nas mentes de seus criadores.

Em sua análise, Lara Resende (2017) também revisita a Teoria Fiscal do Nível de Preços, que interpreta a restrição orçamentária do governo como uma condição de equilíbrio, onde o nível de preços afeta tanto o déficit nominal quanto os resultados primários futuros, guiando as expectativas de solvência governamental.

Numa economia de mercado, com moeda fiduciária e sem lastro, os bancos centrais não controlam diretamente a base monetária. A política de juros é determinada pela taxa básica de curto prazo. Como Borio et al. (2019, p. 3) explicam: “Os bancos centrais definem a taxa nominal de curto prazo e influenciam a taxa nominal de longo prazo (sinalizando sua política futura e a compra de ativos). Os participantes desse mercado ajustam suas carteiras baseados em suas expectativas quanto à política do banco central, seus pontos de vista sobre outros fatores que influenciam a taxa de longo prazo, suas atitudes em relação ao risco e às restrições em seus balanços. Dada a taxa de juros nominal, a inflação atual, que é rígida, determina ex post as taxas reais e a expectativa ex ante da taxa de inflação”.

No Brasil, o Ministério da Fazenda calculou uma economia fiscal de R$ 900 bilhões entre 2016 e 2020, devido à queda da taxa de juros implícita da dívida líquida do governo central. No entanto, a dívida bruta do governo geral (DBGG) saltou de R$ 1,3 trilhão em 2006 para R$ 6,6 trilhões em 2020, sendo que 84% desse aumento é explicado pela incorporação de juros nominais.

O aumento da dívida pública também é agravado pelos juros elevados, que aumentam a despesa financeira do governo. Entre 2002 e 2013, o setor público brasileiro registrou superávits primários, mas o déficit nominal permaneceu elevado, evidenciando a complexidade da relação entre política fiscal e monetária no Brasil.

A política de juros altos transfere renda do governo para os detentores da dívida pública, ou seja, aqueles com capacidade de acumular riqueza em títulos públicos. Isso reforça a interdependência entre o Tesouro Nacional e o Banco Central, onde o passivo nominal do governo é impulsionado pela despesa financeira.

Por outro lado, a manutenção de juros elevados reprime a demanda agregada ao aumentar o custo de financiamento, o que desestimula os investimentos necessários para o crescimento econômico. Lara Resende, com base em reflexões keynesianas, sugere que a política de juros altos deprime o fluxo de caixa da economia real, criando obstáculos para o investimento privado.

No debate teórico, a lógica de que “r>g” implica que sempre haverá a necessidade de novas reformas e cortes nos gastos públicos para manter a restrição orçamentária do governo. Essa condição ocorre quando a taxa de retorno sobre o capital (r) é maior que a taxa de crescimento econômico (g), exigindo superávits primários constantes para evitar o aumento contínuo da dívida em relação ao PIB. Por outro lado, interpretações equivocadas de Keynes levam ao aumento indiscriminado de gastos públicos, sugerindo o “crowding in” como solução milagrosa.

A expansão dos déficits previdenciários, decorrente de fatores demográficos e de problemas no regime de repartição simples, também contribui para a rigidez orçamentária. As recentes reformas previdenciárias no Brasil foram projetadas para mitigar esses desequilíbrios de longo prazo, embora seus efeitos não sejam imediatos. A política fiscal tem sido caracterizada por cortes de gastos e aumento da carga tributária em todos os níveis de governo, levando alguns entes subnacionais à beira do default.

Em síntese, a política de juros elevados no Brasil tem gerado décadas de baixo crescimento econômico. A independência recente do Banco Central foi um avanço importante, mas é necessário encontrar um equilíbrio entre as pressões do mercado financeiro e a sustentabilidade da dívida pública. A política de juros precisa ser revista à luz das novas experiências globais, como a redefinição do papel da política fiscal pelo governo Biden, cujos efeitos ainda precisam ser avaliados ao longo do tempo.


Referências

BORIO, Claudio et al. (2019). What anchors for the natural rate of interest? Bank for International Settlements. March/2019.

LARA RESENDE, André. (2017). Juros, Moeda e Ortodoxia. Portfolio Penguin. São Paulo.

______. (2021a). Valor Econômico. A quem interessa a alta dos juros. 01/04/2021.

______. (2021b). Valor Econômico. Obsessão em atar as mãos do Estado paralisa o Brasil há três décadas. 23/04/2021.

MINISTÉRIO DA FAZENDA. (2021). Nota Técnica: A economia fiscal da queda dos juros no Brasil. 09/04/2021.

PASTORE, Affonso Celso. (2016). Desajuste fiscal e a inflação: uma perspectiva histórica. In: BACHA, Edmar. A crise fiscal e monetária brasileira. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro.

SAYAD, João. (2016). Dinheiro, Dinheiro. Portfolio Penguin. São Paulo.

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