Coalizão contra a verdade

Estou escrevendo este artigo antes de sair o parecer da Procuradoria da Assembléia Legislativa sobre a devolução da Proposta Orçamentária ao Poder Executivo, cujo conteúdo não alterará em nada minha convicção sobre o assunto.
Durante décadas, vivemos de ilusão no tocante aos orçamentos públicos e por isso acumulamos déficits em cima de déficits, formando uma dívida que, entre 1970 e 1998, em vinte e oito anos, multiplicou-se por 27, em termos reais.
Durante esse período subestimamos despesas e alocamos receitas totalmente fictícias, somente para apresentarmos um orçamento “equilibrado” na aparência, mas que no real trazia enormes déficits ocultos, que acabavam por realimentar novos déficits, na medida em que tiravam dos governos a autoridade para negar as reivindicações por mais despesas.
Isso continuou mesmo após o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal que, em seu artigo 12, é taxativa quanto à exatidão da previsão da receita, assim expresso:

Art.12 . As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois exercícios seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas.

O orçamento é o começo de tudo em matéria de finanças públicas. As peças que lhe antecedem, como a lei de diretrizes orçamentárias e o plano plurianual, foram concebidas exatamente para aperfeiçoá-lo.
Por isso, a apresentação de um orçamento que exprima a realidade deveria ser a primeira preocupação dos governos e a principal exigência do Poder Legislativo. No entanto, o que estamos vendo é o contrário, ou seja, a tentativa de devolver o orçamento apenas porque ele exprime a verdade, ao deixar transparente o déficit que sempre ficou oculto.
Se há problema na proposta é o de não alocar integralmente as vinculações com saúde e educação, só que sua correção tornaria ainda maior o déficit. Mas até nisso o orçamento é verdadeiro, pois não adianta alocar despesas que, antecipadamente, já se sabe que não haverá recursos para cumpri-las.
Espero que não se concretize esse intento, que não passa de uma coalizão contra a verdade.

Publicado em Zero Hora de 26/09/2007.

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