O orçamento público-ficção: um abuso

Tudo o que começa mal, certamente acabará mal. Há um ditado popular que diz que devemos cortar os males pela raiz. Nunca resolveremos o problema das finanças públicas se não mudarmos nosso entendimento sobre o orçamento, pois tudo começa com ele. As duas peças que o antecedem na programação, o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, foram concebidas exatamente para aprimorá-lo.
Mesmo que o orçamento seja uma previsão, para não ser uma ficção, deve ser o mais próximo possível da realidade, pois ele é o leme que nos conduzirá a terra firme ou nos jogará contra o rochedo da imprevisão. E, a previsão da receita é de fundamental importância, pois dela deve depender o valor total da despesa e não o contrário, como sói ocorrer no Estado.
E não é outra coisa que diz a lei de responsabilidade fiscal sobre as previsões de receita, em seu artigo 12.
Art.12 . As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois exercícios seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas (grifei).
O desequilíbrio das contas públicas estaduais é uma constante há vários anos, não por culpa desse ou daquele governo, mas porque o processo de formação da despesa a torna sempre superior à receita. E, isso começa com o orçamento que, para não ser apresentado com déficit, é recheado de receitas “extras”, cujas previsões não obedecem a nenhuma norma técnica e legal e nem vêm acompanhadas das metodologias de cálculo referidas no texto legal citado
E isso não é feito às escondidas, pois junto ao próprio item de receita “extra” consta entre parênteses a palavra “orçamento”, uma espécie de linguagem cifrada para afirmar que se trata de um valor fictício, colocado apenas para esconder o déficit. Nessa situação estão R$ 1,229 bilhão na proposta para 2007.
Depois, os poderes e órgãos com mais força de pressão conseguem realizar integralmente suas dotações em detrimento de outros órgãos que não a têm, sofrendo estes últimos, a cada ano, a deterioração de seus programas de trabalho.
Enquanto continuarmos acreditando que o orçamento é uma mera previsão, sem compromisso com a realidade, as finanças públicas continuarão deficitárias e as injustiças sociais serão cada vez maiores.

Publicado Zero Hora em 29/11/2006.

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