Orçamento virtual

A Proposta Orçamentária para 2003 deve ser encarada como uma peça de realidade virtual. Ela sugere que as finanças estaduais estão equilibradas, com déficit orçamentário zero para 2003. Mais de 300 mil gaúchos acreditaram numa proposta que é incompatível com a realidade financeira do Estado e que não resiste à lógica dos números. Se não, vejamos. Um erro flagrante na proposta é a subestimativa da despesa com pessoal: enquanto o Governo fixa em R$ 5,828 bilhões, estima-se que atingirá R$ 6,9 bilhões, numa surpreendente diferença de R$ 1,1 bilhão.

O Governo justifica-a dizendo que a oposição não considerou a Portaria Interministerial n.º 163, de 04 de maio de 2001, que exclui do cômputo de pessoal alguns itens, como despesas de auxílio-refeição, auxílio-transporte, diárias, ajuda de custo, auxílio-funeral, dentre outras. Esse raciocínio é falacioso. Com base no Balanço Geral do Estado de 2001, constata-se que essas rubricas atingiram R$ 220 milhões (Tabela 1), devendo o Governo explicar os restantes R$ 880 milhões.

Todavia, o Governo “esqueceu” de incluir o reajuste anual vertical previsto no artigo 37, Inciso X, da Constituição Federal, cujo vigor foi determinado pelo Supremo Tribunal, em decisão proferida numa ação proposta pelo próprio PT, cujo montante estimado é de R$ 260 milhões, que acaba por compensar as exclusões da referida Portaria.

Além disso, ferindo a técnica orçamentária e o princípio da responsabilidade fiscal, o Governo subestima o pagamento da dívida, apostando numa negociação política futura. O pagamento da dívida previsto é de R$ 780 milhões, enquanto, na realidade, o valor alcançará R$ 1,250 bilhão. Quanto aos investimentos, também estes estão superestimados. Uma prova disso é que o Governo, nos três anos decorridos, nunca realizou mais de 50% da dotação orçamentária.

No que tange à estimativa da receita, a proposta orçamentária para 2003 já começa com uma inverdade no seu artigo primeiro, quando afirma que está a preços de jul./02. Comparando-se a variação entre o Orçamento de 2002 e a Proposta Orçamentária de 2003, constata-se um percentual de crescimento de 9,03% na receita total e de 11,85% na receita corrente. Todavia, para se estimar o crescimento efetivo da receita em 2003, deve-se tomar como base não as receitas constantes do Orçamento de 2002, que foram estimadas em julho de 2001, mas a reestimativa feita com base nos dados já realizados até agosto de 2002.

Feito esse procedimento, verificam-se que as receitas constantes no Orçamento de 2002 não serão realizadas na íntegra. Agora, comparando-se a receita corrente prevista para 2003 e a reestimativa da receita acima referida para 2002, tem-se que o crescimento efetivo proposto para o Orçamento de 2003 será de 16,1%, o que é hipótese improvável no quadro macroeconômico adverso em que está inserida a economia brasileira. Assim, supondo-se um incremento de 3% no PIB para 2003 e no esforço de arrecadação, somente uma inflação de 12,6% permitiria a concretização de tão alto crescimento das receitas correntes. Se a inflação for de 7,3%, chega-se à notável conclusão de que o Governo Estadual está prevendo um crescimento real da arrecadação da receita corrente de 8,2% e um excesso de previsão de receita corrente de R$ 500 milhões.

Deve ser destacado, ainda, que, no cômputo das receitas correntes, consta o valor relativo às transferências da chamada Lei Kandir, no valor de R$ 393,8 milhões, que se extinguirão em 31 de dezembro do corrente. A menos que seja editada uma nova lei, essa receita não se concretizará. Em síntese, a proposta orçamentária, ao apresentar receitas superestimadas e despesas subestimadas, esconde um resultado negativo de R$ 2,042 bilhões (ou de R$ 2,452 bilhões, se excluídas da receita as operações de crédito), conforme Tabela 2.

Deve ser salientado que o déficit real para o exercício será de R$ 2,042 bilhões, desconsiderando que, no montante das receitas, estão R$ 410,6 milhões de operações de crédito, o que significa déficit disfarçado. Levando-se em conta esse fato, o déficit orçamentário atinge o montante de R$ 2,452 bilhões1. Quando se agrega esse valor ao saldo financeiro ajustado, que ao término do exercício de 2002 estará em torno de 4,2 bilhões negativos2, chegarse-á ao saldo deficitário de R$ 6,652 bilhões em 2003.

Claro que isso não acontecerá, porque a referida proposta orçamentária, mesmo que venha a se transformar em Orçamento para o próximo exercício, não tem como ser executada, por ser incompatível com a capacidade financeira do Estado. O erro capital cometido pelo atual Governo é apresentar uma peça orçamentária dissociada da realidade fiscal do Estado e levar os mais de 300 mil participantes das assembléias do Orçamento Participativo a acreditarem numa proposta virtual ou fantasiosa, que não permitirá a realização dos investimentos aprovados por eles.

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1 É claro que, quando se considera esse déficit orçamentário, se admite como verdadeiros os investimentos previstos na Proposta Orçamentária acabam sendo realizado em pouco mais de 50%.

2 A menos que se proceda a uma grande anulação de restos a pagar ou que não se empenhem as despesas relativas ao custeio, que estão reprimidas.

CALAZANS, Roberto B; SANTOS, Darcy. F.C. Orçamento Virtual. Disponível na Internet via WWW http://www.sindaf.com.br/artigos técnicos.

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