Finanças estaduais: o mito e o heterodoxo

Um conhecido economista disse: “…algumas idéias econômicas falsas têm sido repetidas exaustivamente e para alguns elas acabaram se transformando em realidade. O mito virou fato. Num país, onde de médico e economista todo mundo tem um pouco, não se pode impedir que a fantasia troque de lugar com a realidade. Quando a ilusão se for, os mitos e os fatos devem ocupar seus respectivos lugares”.

Durante anos, alguns economistas disseminaram mito que empolgou boa parte do movimento social organizado: a crise fiscal do RS pode ser contornada via elevação da receita pública e corte de gastos de custeio, com isso melhorando os salários dos servidores e atendendo, ainda, a crescente demanda da sociedade. A insistência nesse mito retardará o real ajuste fiscal nas contas públicas do RS. Estudos recentes já demonstraram que, mantidas as atuais condições, mesmo que as receitas líquidas estaduais cresçam à taxa real média de 3% nos próximos anos, somente em 2.028 o Estado adequar-se- ia à Lei Camata.

Uma visão fiscalista da crise das finanças estaduais acabará, na prática, numa versão renovada da doutrina do orçamento equilibrado. Quando são analisados os passivos do RS referentes à dívida pública e à previdência, bem como os gastos públicos em educação, que caíram 0,6% no PIB entre 1975 e 1998, percebe-se que o nosso Estado vem postergando a solução de problemas estruturais históricos. Com o passar dos anos, a crise fiscal do RS, agravada pela crise nacional, levou à queda relativa dos gastos públicos nas funções orçamentárias essenciais do Estado, à redução das políticas agrícolas e sociais e à falta de definição da estratégia de desenvolvimento.

Os problemas de caixa do Tesouro Estadual fizeram diversos governos estaduais consumir boa parte do tempo na administração da folha salarial dos servidores e da dívida pública, enquanto os problemas mais complexos permaneceram ocultos pela administração do caixa. Muito mais do que solucionar os problemas de caixa no curto prazo, as finanças estaduais precisam de ajuste fiscal estrutural que encaminhe alternativa para os passivos existentes. Além disso, o Governo Federal vem pressionando os estados a se adaptarem às reformas constitucionais, o que impõe forte restrição às ações dos governos estaduais. Portanto, o ajuste estrutural dependerá de ações pactuadas, que modifiquem a composição e alocação dos gastos públicos, garanta o caráter contributivo e atuarial no novo regime de previdência, redefina o limite de comprometimento com a dívida estadual e rediscuta o papel, o tamanho e a forma de gestão do Estado.

A constituição do fundo de ativos, de caráter público, poderia ser poderoso instrumento de engenharia financeira para a questão do passivo atuarial. Esses são alguns aspectos essenciais da crise fiscal que não poderá ser resolvida, a médio prazo, somente por medidas de cunho ortodoxo: aumento de receitas, redução dos incentivos fiscais, congelamento salarial e redução dos investimentos públicos. Tecnicamente, austeridade fiscal é aceitável para resolver as necessidades de caixa no curto prazo, todavia não pode ser o único quesito para a consistência da política
fiscal. Uma certa heterodoxia é recomendável para superar as ilusões que atrapalham nosso entendimento do real.

CALAZANS, Roberto B. Finanças Públicas: o mito e o heterodoxo. Gazeta Mercantil, 04/06/99.

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