O déficit nas contas públicas é uma medida de quanto o Governo gasta mais do que arrecada. Foi necessário mudar a sua forma de aferição. A principal mudança foi a distinção entre o que são agregados fiscais e financeiros. Isto é, as receitas e despesas financeiras são excluídas do cálculo. Na nova medida do desempenho fiscal do Estado, chamada de resultado primário, as receitas/despesas financeiras são consideradas “abaixo da linha”, sendo introduzidas somente após o cálculo do resultado primário. Este indica a insuficiência (ou sobra) de receitas fiscais em relação às despesas fiscais, mostrando quanto ele consegue se autofinaciar, de forma a honrar seus pagamentos de juros e sustentar os déficits passados.
Através dele, o Tesouro do Estado é capaz de avaliar as suas necessidades de financiamento, que permitirão saldar suas contas além do que advém da arrecadação de tributos próprios e de transferências constitucionais. Embora simplificada, essa é a essência do déficit/superávit primário das contas públicas. Aplicando-se essa metodologia para análise das contas públicas estaduais, nos últimos 28 anos (1970 a 1998), chega-se a resultados surpreendentes. Em 28 anos, o Estado não tem conseguido se autofinanciar, isto é, arrecadar mais do que gasta, registrando déficits primários, principalmente a partir das décadas de 80 e 90. Os déficits calculados para as três últimas administrações situam-se em torno de 1,12% do PIB estadual e suas magnitudes estão próximas (ver Tabela 1).
Esses déficits têm sido financiados mediante aumento do endividamento público, seja por dívida flutuante ou fundada. Mais recentemente, as privatizações vieram a ser a nova fonte de financiamento dos déficits. A história das finanças públicas nos tem demonstrado que os Governos, até 1994, contaram com ampla flexibilidade na aplicação da política salarial, já que havia indexação imperfeita dos salários vis-à-vis a indexação dos tributos, postergando-se o ajuste estrutural. Isso permitiu-lhes acumular saldos financeiros e dar continuidade aos serviços públicos e à expansão dos investimentos. A partir do Plano Real, com a queda da inflação (et pour cause), o manejo das contas públicas mudou radicalmente. Embora pressionados por idênticas demandas os gestores públicos não mais contavam com saldos financeiros decorrentes das diferenças de indexação entre os ativos e passivos do Estado.
A opção foi o financiamento do déficit crescente mediante as privatizações, o que permitiu sustentá-lo nas proporções dos Governos anteriores, ao mesmo que tempo em que se adotou política tributária passiva e política salarial expansiva.
O novo Governo, ao eleger o ajuste fiscal do Estado como prioritário, terá que enfrentar a insuficiência de receita tributária e o crescente aumento dos inativos. Os déficits herdados das administrações anteriores não desaparecerão por mágica tributária. É difícil imaginar um esforço pelo lado da receita da ordem de 1% do PIB num curto espaço de tempo. Inevitavelmente, o ajuste em 1999 será de cunho ortodoxo, centrado na redução dos gastos nominais e reais custeio e investimento. Por seu turno, o aumento da taxa de inflação decorrente da desvalorização do Real, combinada a inexistência de mecanismo de indexação, ajustarão os salários reais dos servidores públicos. No entanto, convém registrar que o ajuste via inflação apenas posterga o problema do autofinanciamento do Estado.
CALAZANS, Roberto B.; BRUNET, J.F. A Crise Fiscal do Estado. Gazeta Mercantil, 20.04.99 e no Jornal da FASP/RS, órgão de divulgação da Federação das Associações de Servidores Públicos Ativos e Inativos no RS – Ano 1, n. 01, abril/99.