A economia do senso comum

A ciência econômica não foge ao senso comum, até mesmo na análise teórica. Após anos da chamada cultura inflacionária, viraram moda os conselhos de economia popular como se eles pudessem explicar os grandes problemas. No entanto, essa ciência não é a sistematização do senso-comum. Se assim fosse, bastaria reunirmos a experiência empresarial e os comentaristas econômicos para termos um amontoado de verdades cíclicas. A economia é uma ciência, pois sistematiza a teoria pura, a sociologia e, principalmente, a história. Assim, ela representa mais que uma simples técnica. Supor neutralidade da mesma é um mito positivista e uma tentativa de esquecer seu caráter crítico e social.

Com o Plano Collor, o discurso econômico tradicional adquiriu tons grandieloqüentes logo no seu início. Passado algum tempo, com o fracasso do plano, o mesmo discurso não consegue explicar claramente muita coisa. A tônica do discurso atual é que o plano foi bom tecnicamente, mas há erros de execução no plano e que falta o governo cumprir sua parte, qual seja, zerar o déficit público, privatizar as estatais, controlar a expansão da moeda etc. Os economistas liberais criticam o estatismo. Parece que resumem os problemas de nossa economia ao simples controle da moeda ou a redução do Estado as suas funções básicas. Hoje é moderno ser privatista. Ao contrário disso, sabe-se que a doutrina liberal é tão antiga quanto Adam Smith.

Ou melhor, fala-se em modernidade com idéias antigas, apesar de revestidas de novas embalagens e bastante mídia. Os empresários tradicionais, em seus fóruns, pagam bom dinheiro para ouvir brilhantes intelectuais repetir velhos discursos. O problema do discurso fácil é que ele, mesmo sendo apaixonante e de assimilação rápida, é de conteúdo fraco e muito ideológico. Por exemplo, quando o plano dá mostras de fracasso, já se ensaia um bode expiatório: a condução do plano por parte da ministra Zélia. Não se questiona muito as “fórmulas teóricas”, que são corretas, mas encontra-se o problema nos indivíduos, que não são ortodoxas o suficiente. Fala-se em recessão inevitável, queda dos salários reais, demissão em massa de funcionários, aceita-se até o “sequestro” dos ativos financeiros.

Tudo é naturalmente técnico e cada um tem que contribuir com sua parte para combater o inimigo nacional: a inflação. Ou seja, tudo isto parece um grande cinismo, se não fosse a nossa realidade diária. O cinismo não é apenas o discurso; é a própria realidade. O tecnicismo sempre procura uma saída: no estado, na cultura do povo, etc. Isto é, acha bode expiatórios e vende a opinião pública dentro da maior aura científica. Ora, modelos econômicos e economistas alternativos a sociedade tem a sua disposição. A busca de explicações convencionais é iminentemente uma saída ideológica e não constrói a análise econômica.

No caso do plano, seus mentores procuraram equilibrar o déficit público, adotaram medidas monetárias drásticas, reduziram os salários reais, propuseram livre-negociação, acabaram com a lei salarial. A atual equipe econômica buscou somar as experiências teóricas e prática das equipes anteriores e ousou reter os estoques monetários dos agentes econômicos. Combinou-se medidas heterodoxas e ortodoxas, mas de nada adiantou. A inflação volta a atacar e os ortodoxos voltam a repetir os mesmos discursos. A única coisa tecnicamente conseguida com todos estes planos é a queda dos salários reais e ainda, agora, o aumento do nível de desemprego. Na nossa perspectiva, o problema inflacionário não será resolvido com políticas monetaristas ou achando que o déficit público é o maior problema. Há causas estruturais na nossa dinâmica inflacionária, as quais transcedem as políticas convencionais. Há também um conflito distributivo em capital e trabalho que não pode ser apagado por um fetiche da moeda.

Mas, fundamentalmente, não há uma política econômica de longo prazo que indique uma solução para a questão do crescimento com melhoria da distribuição de renda e dos indicadores sociais. Há diversos problemas sérios em nossa economia que vêm se arrastando aos nossos olhos sem resposta concreta de resolução. Todos sabem que o desenvolvimento econômico associa a idéia do crescimento com redistribuição de renda e reformas sociais. Falar em crise das instituições e da economia é algo comum, contudo essa crise mais geral não é maior devido à existência de “amortecedores” que impedem um conflito mais agudo. Falta às elites dirigentes a decisão de mudar e o interesse em realmente alterar o atual quadro. Na base da retórica e da mídia é muito difícil sustentar qualquer projeto mais consistente. Enquanto não houver reformas estruturais (política industrial, reforma urbana e agrária, etc.) que modifiquem a heterogeneidade social, regional e de classes na sociedade, permaneceremos envoltos neste clima de frustração, descrédito das instituições e vendo o tempo passar.

Em recente artigo a FSP , João Sayad tece, com fina ironia, uma crítica sincera a lógica dos economistas, centrada num pretenso racionalismo, que lhe permite cometer erros política econômica onde os maiores perdedores são geralmente os indivíduos mortais. Como se sabe, na década de oitenta, os economistas e consultores apareceram no mundo do mass média produzindo informações bem díspares.Tal situação levou a uma certa aversão e crítica permanente por parte da sociedade organizada. É comum as pessoas confundir a economia como uma ciência física, tal é a sofisticada matematização dessa ciência. Nada contra aos avanços na área quantitativa, mas ainda permanece a questão de se discutir a base de fundamentação dos modelos. Apesar disso, o positivismo econômico já decretou o fim das das classes sociais, das ideologias, reduziu o comportamento dos agentes privados a mera curvas de maximização de utilidade e de lucro, guiados pelo por tendência de autoregulação do sistema. Sempre ficamos boaquiabertos com a existência de modernos artigos sobre a teoria econômica do casamento, sobre a determinação de taxa naturais de desemprego, eficiência produtiva, etc. É como se os avanços teóricos estivessem totoalmente deslocados do mundo real.

Tal sensação vivida por muitos economistas acadêmicas tentam buscar novos soluções fora do mainstream. Para alguns economistas, o economia pode ser modelada através de simples movimentos de curvas, o que acontece historicamente com essas pessoas entre a movimentação dessas curvas é um mero detalhe no processo de ajustamento de preços ou quantidades. De maneira insistente tornou-se regra criticar o setor público. Do lado da receita, enfatizando a uma pretensa carga tributária elevada. Do lado da despesa, a falta de investimentos na área social e excesso de privilégios e funcionários de funcionários públicos. Tudo isso há uma brutal eficiência do setor privado em termos de alocação de recursos. A novidade do último período está em A ciência econômica não pode se restringir a sistematizar a linguagem do mundo dos negócios sob penas de se transformar numa messiânica técnica administrativa. Ainda que o pensamento neoclássico reduza nosso pensamento à lógica do concreto, permanece a necessidade ruptura epistemológica com tal postura teórica.

CALAZANS, Roberto B. A Economia do Senso Comum. Jornal Pioneiro, Caxias do Sul, 24/07/90.

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