A ortodoxia cai por terra- Plano Collor 2: uma avaliação inicial

O Plano Collor dois vem demonstrar que a política monetarista, encaminhada pela atual equipe econômica, foi incapaz de atingir seu pretencioso objetivo de debelar a inflação em um “só golpe”, além de levar nossa economia para uma recessão indesejada. Já havia um certo consenso, que o plano original continha erros de concepção e execução. Certamente, havia discordância quanto ao conteúdo central desses erros, ou seja, o caráter da inflação (inercial, monetário ou estrutural), nos meses que se sucederam ao plano, dependia da avaliação particular de cada analista. Porém, é digno de nota alguns monetaristas confessos, entre eles, Simonsen, já admitiam que somente com política fiscal e monetária convencional seria impossível acabar com as taxas elevadas de inflação. Outros economistas, ao admitirem um caráter inercial a inflação, a partir de metade do ano passado, insistiam junto ao governo para que se adotasse uma política de renda e um choque de fiscal, combinados com congelamento de preços quando os preços relativos estivessem alinhados.

Por isso, é que as medidas heterodoxas adotadas no novo plano Collor parecem como tardias, vindo demonstrar o reconhecimento do fracasso das políticas convencionais no combate à inflação. Nesse ponto, há uma contradição no discurso e na ação da atual equipe econômica: de um lado, afirmam que continuarão a sustentar a combalida política monetária, procuram reduzir mais os gastos públicos, arrocham ainda mais os salários reais dos trabalhadores; de outro lado, sugerem medidas anti-recessivas, como os futuros fundos de desenvolvimento e a sua preocupação em reduzir os elevados níveis de juros. Do ponto de vista dos elementos levantados acima, o sucesso do plano, no curto prazo, dependerá, em parte, da trajetória da política monetária e sua atuação sobre o nível da taxa de juros. E ainda da forma como o mercado financeiro vai reagir às novas regulamentações, ou seja, o mercado buscará um novo mecanismo de reajuste de seus contratos, que pode ser a taxa 2 referencial. Esta última influenciará a formação das expectativas dos agentes econômicos em relação à política macroeconômica do governo.

Além disso, o plano retira de cena dois elementos importantes, os quais poderiam influenciar no processo de retomada do crescimento. Primeiro, não haverá impulso proveniente das indústrias de bens-salários, dado o arrocho salarial inserido no plano e a sua possível queda real dos salários nos meses que se seguirão até julho (mês estipulado para as negociações coletivas). Segundo os gastos públicos continuarão sendo cortados em função dos cortes dos orçamentos das estatais, em despesas de custeio e no aprofundamento das reformas patrimonial e administrativa. Quanto à política imediata de estabilização, via congelamento de preços e salários, esta parece ser insustentável, dada a falta de uma estrutura para o controle efetivo (a Sunab tem pouco recursos), ao descrédito da população e ao fato, mais importante, de ter sido feito de maneira atabalhoada.

Além disso, o tarifaço(aumento das tarifas públicas, gasolina, energia etc.) e o aumento nominal de salários-25% da massa salarial- certamente se refletirão em uma pressão sobre as componentes dos custos industriais e comerciais, pressionando os agentes econômicos a terem de repassar essa pressão de custos para os seus preços. Assim, o eufemismo de “trégua” proposto simplesmente servirá para a equipe econômica ganhar tempo, antes de sua provável demissão, caso o plano venha de fato a falhar. Como vemos, o Plano Collor2 já nasce com um erro de concepção inicial. O congelamento de preço, desgastado como instrumento de controle de preços e de salários pelas suas sucessivas utilizações, novamente poderá cair em descrédito junto à população, pois vem acompanhado pelo tarifaço, o qual vem comprometer ainda mais sua eficiência.

Isso não significa que este instrumento seja incompatível com uma economia de mercado, mas se deve analisar cuidadosamente o momento de sua utilização. Ademais, deve-se ter em mente que o congelamento atinge basicamente os salários, ou seja, aquelas camadas da população que tem seu rendimento definido institucionalmente ou possuem uma renda fixa. Até hoje nenhum plano foi eficaz em controlar as margens de lucro dos setores monopolistas da economia. A elevação de suas margens de lucro tem sido utilizada como um expediente para vencerem a recessão e pressionar a elevação dos seus preços, influenciando os demais preços da economia.

Isso quer dizer que a inflação tem uma componente estrutural, ligado ao mecanismo de formação de preços desses mercados, o qual nunca foi eficazmente controlado pelo governo. Todos os congelamentos(cinco até agora) e os constantes arrochos 3 salariais ajudam a provar, em termos empíricos e teóricos, que os salários não são os causadores imediato da ascensão inflacionário em nossa economia, pelo menos no último período. Não se pode deduzir daí que salários nunca são inflacionários, isso representa um mito econômico muito difundido no movimento sindical. Em suma, a eficiência de um congelamento de preços depende das condições de controle do rendimento dos grupos sociais, principalmente lucro e salários que contribuem na formação dos diversos preços. O congelamento pressupõe um realinhamento prévio de preços e equilíbrio das finanças públicas de forma a não criar resíduos inflacionários ou pressões de custos. Com o fim da indexação e a criação da taxa referencial(TD), definida pelo governo com base em uma média dos juros dos títulos privados e/ou públicos, o governo pode estar criando um novo problema para si.

O mercado financeiro nacional sofre a influência de fortes grupos especulativos e é concentrado. Com efeito, a taxa referencial pode sofrer o impacto imediato destes setores especuladores, retirando a capacidade do governo executar com sua política monetária, ficando “refém” destes poderosos interesses. Deve-se acrescentar que a substituição da BTN pela Taxa Referencial de juros não pode significar uma simples substituição. A desindexação total da economia, no mercado monetário, será eficaz se o governo conseguir debelar as expectativas futuras de inflação e desatrelar o mercado financeiro da rotina de financiar um Estado em crise financeira, que constantemente eleva a taxa de juro para suprir seus problemas de caixa.

A título de projeção, caso a desindexação não torne o mercado financeiro atrativo para os poupadores da economia, remunerando seus ativos com taxas de juros reais baixas, esses agentes econômicos, provavelmente, trocaram a composição de seus “portfólios”, substituindo títulos do governo e papéis privados, por uma moeda forte ou ativos reais. Isso significa que, nos próximos meses, poderemos assistir um rápido processo de monetização da economia ou uma maior velocidade circulação da moeda. Em tais situações, haverá um crescimento da demanda especulativa por moeda, que rapidamente pode-se transformar em um processo de dolarização da economia, ou ainda, de antecipação de consumo ou compra de ativos reais. Ao se confirmar esse cenário, novamente a moeda perderá suas funções essenciais, retomando a economia seu processo hiperinflacionário e com um governo cada vez mais desgastado. Essa hipótese é factível e está na dependência de um possível fracasso da estabilização dos preços e uma administração ortodoxa da política monetária.

CALAZANS, Roberto B. A Ortodoxia Cai por Terra Plano Collor 2: Uma Avaliação. Jornal Vale dos Sinos, São Leopoldo, 11.02.90.

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