Remédio mal ministrado

Os estados brasileiros adentraram a década de 90 do século passado atolados em dívidas, a maioria representada por títulos, que eram rolados no mercado financeiro a taxas altíssimas, que cresceram ainda mais no decorrer da referida década.

A maioria dos bancos públicos estava quebrada pelos próprios estados que os utilizavam no processo de financiamento de seus déficits, que eram grandes e recorrentes. Num primeiro momento, os títulos estaduais foram substituídos por federais para que as taxas de juros ficassem menores.

O Estado do RS apurou déficits primários (antes das operações financeiras) durante 28 anos entre 1971 e 1998 numa média de 15% ao ano e com isso formou uma dívida que se multiplicou por 27 em termos reais. O Banrisul em 1998 apurou um prejuízo que a preços de hoje superaria R$ 2 bilhões.

Foi nesse contexto que a União assumiu a dívida dos estados em 1997 e 1998, destinando 90% dos recursos aos quatro principais estados (SP,RJ,MG e RS), que eram os mais endividados. Os bancos estaduais foram saneados e quase todos privatizados, restando sete, entre eles do Banrisul.

As condições de financiamento para época eram boas, porque foram feitas a uma taxa de juros de 6% ao ano mais o IGP-DI, que variara em 1998 apenas 1,7%, igual ao IPCA, índice oficial de inflação do País. Naquele ano a variação da taxa Selic líquida foi de 26,5%. Nessa taxa a União captou os recursos que utilizou no refinanciamento.
Ocorre que de lá para cá a situação modificou-se: o IGP-DI cresceu 35% acima do IPCA e as taxas de juros são hoje muito menores, inclusive as adotadas pelo governo federal no financiamento a grandes empresas.

Tomando-se o Estado do RS com base, o índice de evolução de sua receita corrente entre 1999 e 2011 atingiu apenas 70% da variação IGP-DI mais 6%.
Como devíamos muito, e para evitar que a prestação ficasse muito alta, os pagamentos foram limitados a 13% da chamada receita líquida real (RLR), restando a cada pagamento uma parcela expressiva de dívida não paga, que se agregou ao saldo devedor da dívida, na forma de resíduos, que já corresponde a 43% do principal. Contribuiu muito para isso a variação excessiva do IGP-DI.

Como os juros incidem sobre o saldo devedor, acaba ocorrendo a incidência de juros sobre juros, o que elevou o estoque da dívida a níveis insuportáveis.
Se tomarmos a dívida refinanciada do RS mais as novas operações de crédito contraídas entre 1999 e 2011 e atualizarmos pelo IPCA, chegamos a R$ 37 bilhões. Mesmo tendo pago R$ 31 bilhões, ainda devemos R$ 43 bilhões.

Se nada for feito, no caso do RS, no final do contrato em 2028, ele estará devendo ainda R$ 26 bilhões. Se for reduzido o pagamento mínimo da prestação mensal para 9% da RLR, como propugnam muitos, sem mexer na taxa de juros, o saldo devedor no ano citado estará em 50 bilhões.

Por tudo isso necessita haver uma nova renegociação da divida, visando alterar o indexador, de preferência de forma retroativa, e redução da taxa de juros. Para isso existem três propostas que, de uma forma ou de outra, apontam para a solução do problema, com redução gradativa da prestação e com a eliminação dos resíduos no final do prazo. São elas de autoria dos senadores Francisco Dornelles e Lindbergh Farias e a de um grupo de deputados constituído na Câmara dos Deputados.

Ocorre que o governo federal, em vez de solucionar o problema verdadeiro dos estados nessa área, que é reduzir os desembolsos correntes e também o saldo devedor da dívida, está propondo aumentar o grau de endividamento dos estados. Acho que até a Lei de Responsabilidade Fiscal deixará de ser observada.

Os Estados necessitam é de uma redução de gastos para, com isso, aumentar sua margem de investimentos com recursos próprios, sem mais endividamento. É bem o contrário do que está sendo proposto, que eleva o endividamento e compromete ainda mais as receitas futuras. Dívida não é receita. Propicia mais gastos no presente, determinando sua redução no futuro ou então aumento de impostos.

Aumentar o endividamento dos Estados em vez de renegociar suas dívidas é o próprio remédio mal ministrado, que só serve para complicar a enfermidade.

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